Com alegria feroz, HUGO PETERS bradava aos seus: "Eia, senhores de Tredagh, 3.552 inimigos aqui foram mortos: nenhum poupado; vede, venho agora do templo aonde fui dar graças ao Senhor". À vista das maiores atrocidades, CROMWELL exclamava: Deus o quer.
FRUTO DA INTOLERÂNCIA DOS PROTESTANTES. |
Irlanda. - Não quisera ocupar-me aqui da infeliz Irlanda. Mas alguns polemistas protestantes, refinando a crueldade com o sarcasmo, requintando a injustiça com o cinismo, não hesitaram em invocar o exemplo desta desafortunada nação como prova da índole mortífera da influência social do catolicismo. Já ouvimos a NAPOLEÃO ROUSSEL todo ocupado em fazer o inventário de uma pobre aldeia irlandesa. LAVALEYE recanta o mesmo estribilho. C. PEREIRA, navegando na esteira do "sapientíssimo professor de Liége", depois de confessar que até ao século XVI "sobrepujavam os irlandeses" afirma que "de então para cá os escoceses levaram decidida vantagem". Por que? "Duas populações, lado a lado, da mesma raça, sob o mesmo regime político,31 que outro fator pode explicar o contraste senão os respectivos sistemas religiosos?", p. 119.
CINISMO DOS POLEMISTAS PROTESTANTES |
Estas palavras me persuadem que o Sr. C. PEREIRA não conhece a história da Irlanda. Se a conhecesse, ao menos por estratégia polêmica, calaria este confronto. Vou adiante. Se o adversário não ignorasse o martírio desta nação heroica, nobre vítima da intolerância protestantes, encontraria no seu coração honesto e generoso um grito de indignação humana contra a barbárie cultural que imolou um povo aos ódio de uma seita.
De fato, "toda a história não nos oferece coisa alguma que se possa pôr em confronto com os padecimentos da nação irlandesa".32 Do dia em que a Inglaterra, arrastada pela paixão de um rei sensual e ambicioso, se separou da Igreja para abraçar os princípios da Reforma, começou o longo calvário da nação mártir.
O primeiro suplício foi a expropriação e confiscação de bens. ISABEL, JAIME I, CARLOS I, CROMWELL despojaram os proprietário irlandeses de suas terras para reduzí-lo à miséria e à escrvidão. "Nos fins do século XVII os católicos irlandeses e anglo-irlandeses não possuíam mais que a sétima parte de sua ilha".33
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31. Aí já vão dois erros em meia frase: escoceses e irlandeses nem são da mesma raça nem vivem sob o mesmo regime político. Aliás o argumento teria o mesmo valor que este outro: Escolhei dois estados da união brasileira, sensivelmente desiguais na prosperidade e progresso econômico (deixo-os à escolha do leitor) e depois aplicai o raciocínio do nosso gramático: Duas populações, lado a lado, da mesma raça, sob o mesmo regime político, que outro fator pode explicar o contraste senão os respectivos sistemas religiosos? O pastor sociólogo, apesar de formado na escola de "sapientíssimo" professor não conhece outros coeficientes da prosperidade econômica senão a raça e o regime político!
32. BANCROFT, History of United States, London, 1861, 6. IV, p. 46. - George Bancroft (03 de outubro de 1800 - 17 de janeiro de 1891) foi um historiador americano e estadista, destaque na promoção do ensino secundário, tanto em seu estado natal e em nível nacional. Durante seu mandato como Secretário da Marinha dos EUA , estabeleceu a Academia Naval dos Estados Unidos em Annapolis em 1845. Ele era um diplomata americano na Europa. Entre seus escritos mais conhecidos é a série magistral, História dos Estados Unidos, a partir da descoberta do continente americano
33. BANCROFT, Op. cit., t. IV, p. 47; LINGARD, History of England(4), Londron, 1838, t. IX, c. 2, p. 149; c. 5, p. 342.
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Seguiu-se-lhe o do exílio e extermínio jurídico. Sob CROMWELL mais de cem mil cidadãos foram desterrados, vinte mil vendidos como escravos para a América, seis mil crianças de ambos os sexos lançadas fora da ilha e vendidas.34 De uma feita, mil donzelas foram arrancadas aos braços de suas mães, levadas a Jamaica e aí expostas ao mercado como escravas.35
Mas a fidelidade do povo à fé dos seus maiores não cedia à violência dos perseguidores. Novos suplícios: o extermínio feroz, a matança em massa. Quando os exércitos de CROMWELL entraram triunfantes na ilha oprimida, o sangue dos seus filhos correu em torrentes. Conta-se que o tirano-profeta baixara ordem de trucidar todos os católicos de 16 aos 60 anos, de arrancar os olhos aos de 6 a 16 e de traspassar o seio as mulheres. A soldadesca infrene atirou-se à carnificina. Impossível determinar o número das vítimas.36 Em Tredagh e Wexford não sobreviveram mais de 30 pessoas. Com alegria feroz, HUGO PETERS bradava aos seus: "Eia, senhores de Tredagh, 3.552 inimigos aqui foram mortos: nenhum poupado; vede, venho agora do templo aonde fui dar graças ao Senhor". À vista das maiores atrocidades, CROMWELL exclamava: Deus o quer.
Depois desses horrores, as execuções da justiça. Como se não bastara o sangue já derramado, para exterminar de todo os católicos ainda restantes, erigiu o gerente um tribunal, conhecido sob o nome de açougue (Cromwell's slaughter house). As sentenças de morte e de exílio por ele pronunciadas acabaram de semear a desolação e o terror na desventura ilha.37
A morte e a deportação não deram todo o resultado que se esperava. Como nas perseguições da Roma pagã, o sangue dos mártires era semente de cristãos. O catolicismo radicava-se cada vez mais profundamente no coração do povo fiel; 8/9 dos irlandeses eram ainda fiéis à fé avita. Excogitou-se então novo expediente: a
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34. C. CANTU, Storia Universale(3), Torino, 1846, t. XVII, p. 395. (Cfr. BERNH. LESKER, Irland's Leiden und Kämpfen, Maiz 1881, p. 36 ss.
35. GUSTAVO DE BEAUMONT, L'Irlande sociale, politique et religieuse(7), Paris, 1863, t. I, p. 75.
36."Durante todos os séculos da sua existência não creio que a Inquisição condenasse à morte tantas vítimas quantas em 11 anos (1841-2652) sacrificou a Inglaterra para protestantizar a Irlanda". C. CANTU, Storia Universale(3), EPOCA XII, c. VI, Torino, 1843, t. XII, p. 204.
37. Cfr. BEAMONT, l'Irlande (7), t. I, p. 74; P. F. MORAN, Historial sketch of the persecution suffered by the catholics of Ireland under the rele of Cromwell, Dublin, 1862, LINGARD, History of England(4), t. X, c. 5, 296 sgs.: B. LESKER, Irland's Leiden, p. 25 sgs. -
À DIREITA: - Esboço Histórico das perseguições sofridas pelos católicos da Irlanda sob o governo de Cromwell e os puritanos
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excomunhão social, o ilotismo. Todos os católicos, como bestas-feras que se aferrolham em jaulas, foram expulsos das outras regiões da ilha, logo dividida entre os invasores, e encurralados na província de Connaught. Quem lhe ultrapassasse os limites poderia ser morto por qualquer cidadão.38 Aí viviam os antigos proprietários e senhores, excomungados do convívio social, como párias num inferno terrestre de fome e de misérias.
Mas a palavra de extermínio da Irlanda havia sido pronunciada pela Inglaterra... A violência e a crueldade tinham exaurido os seus recursos e a Irlanda perseverava católica. Impossível continuar indefinidamente esta política de sangue. Inaugurou-se então, sob Guilherme de ORANGE, o último gênero de suplício, o mais duradouro e o mais degradante: o suplício legal, a perseguição pacífica das leis. Aos membros das duas câmaras foi imposto (oh! livre exame!) um juramento em que se declara idolatria a transubstanciação, o sacrifício da missa e a invocação dos santos. Era excluir de vez do governo do país todos os católicos que lhe constituíam a maioria e entregá-los à mercê da minoria opressora.39 O arsenal das leis ficava nas mãos exclusivas dos protestantes; nele se forjaram as novas armas da perseguição organizada em política.40
Leis para impedir que os católicos viessem a ser proprietários: um católico não podia possuir um cavalo cujo valor passasse de 5 esterlinas e se um protestante pudesse asseverar que excedia esta soma era autorizado a apoderar-se do animal, pagando 5 guinéus (1696); nenhum católico podia comprar bens fundiários nem arrendar terreno por mais de trinta anos (1703); se o lucro obtido das terras assim alugadas ultrapassava um terço das entradas, o protestante, que o descobrisse podia apropriar-se do excesso (1710); morrendo um católico, se na sua descendência havia um protestante, este era declarado único herdeiro dos bens com exclusão de todos os parentes católicos ainda mais próximos.
Leis para conservar os oprimidos na ignorância e no aviltamento: proibição aos protestantes de instruir católicos e a estes de abrir
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38. LINGARD, History of England(4), t. X, c. 6, p.369. Ao católico que porventura viesse implorar a compaixão dos seus perseguidores se lhe respondia com o anátema: vá para o inferno ou para Connaught. Era a alternativa entre a morte e o ostracismo. Cfr. B. LESKER, Irland's Leiden, etc., p. 27.
39. Aliás as leis expressas de 1692 e 1703 excluéram os católicos do parlamento; outra de 1728, privou-os do direito de voto.
40. Todas estas leis, extraídas dos estututos de parlamento irlandês e publicadas em 18 vols. em Dublin, 1779 forma recolhidas por G. de BEAMONT, l'Irlande(7), t. I, pp. 90-147; C. CANTU, Storia Universale(3), TGorino, 1846, 6. 17, pp. 1074-1079.
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escolas ou enviar os filhos ao continente em busca de instrução e ciência; autorização aos magistrados de enviar os filhos das famílias católicas à Inglaterra para se instruírem nos princípios da Reforma (1704).
Leis para sufocar a religião do país e escravizar as consciências: nas famílias católicas, se a mãe se declarava protestante, o pai perdia o direito de educar catolicamente os filhos; sacerdotes fiéis, condenados ao exílio, os apóstatas amparados oficialmente com honorários anuais de 20, 30 e 40 esterlinas (1704, 1705). Enquanto os ministros do culto nacional eram assim condenados ao exílio e à miséria, ao infeliz povo se impunham os mais pesados tributos para sustentar a igreja oficial e assegurar o primado do anglicanismo.
em 1834, o arcebispo de Cashel, o mais pobre dos arcebispos "anglicanos" da Irlanda, tinha uma entrada anual de 161 mil francos. Nesta mesmo província, quase na sua totalidade católica (apenas 5% dos seus habitantes eram protestantes), 20 milhões eram anualmente devorados pelos ministros de um culto que não era do povo e metade deste infeliz povo era todos os anos flagelada pela fome.
Eis o misérrimo estado a que a liberal e protestante Inglaterra reduziu a desventurada Irlanda! E este estado de coisas durou por mais de três séculos.41 Os primeiros temperamentos à severidade das leis datam dos fins do século XVIII e principalmente da campanha gloriosa de O'CONNEL que conseguiu em 1829 o bill de emancipação dos católicos ingleses. Para a nação mártir não foi ainda o esplendor da liberdade, foram os primeiros raios de uma feliz aurora que há de ter o seu meio-dia. A justiça da humanidade na voz da história responsabilizará o protestantismo inglês de não haver poupado violência, extorsões e atrocidades inauditas para eliminar da família das nações uma das raças mais belas, mais fortes, mais inteligentes, mais industriosas, que só na sua longa fidelidade à religião aviltada tem o testemunho mais eloquente de sua grandeza. moral.
Mas o protestantismo foi sempre assim, intolerante e fanático desde o seu nascimento. E se por toda a parte, onde logrou triunfar, não deixou após si tão longo cortejo de sevícias e de misérias é que não encontrou em toda a parte vítimas de igual resistência.
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41. Cai a talho a observação de NEWMAN: "O catolicismo não tem necessidade de fundar-se no poder civil. A Irlanda é uma prova. Aí... foi ele perseguido por mais de três séculos e hoje ainda domina mais forte que nunca. Apontem-me uma nação que nas mesmas condições se conservasse luterana ou calvinista por cem anos". NEWMAN, Lectures on he present position of the catholics en England (6), London, 1889, lect. II, pp. 55-6.
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à vista deste quadro negro de que apenas esboçamos as linhas principais, escrevi agora, como o escárnio do algoz que insulta a sua vítima, a inconsciente pergunta do Sr. C. PEREIRA: "Duas populações, lado a lado, da mesma raça sob o mesmo regime político (III), que outro fator pode explicar o contraste senão os respectivos sistemas religiosos?".
Não; para honra do protestantismo fora melhor correr o véu do silêncio sobre esta história de sangue e de iniquidade. A Irlanda é "esta nação mártir na qual parece que a Providência tenha querido expor aos olhos do mundo no longo durar de três séculos, quantos suplícios pode sofrer a fé e inventar a intolerância sem que a primeira ceda à segunda, para glória de uma e eterna confusão da outra"42.
Um olhar retrospectivo. Desta rápida excursão pelas principais nações católicas da Europa desprendem-se, necessárias o óbvias, as conclusões seguintes.
A decadência econômica de algumas dentre elas prende-se, como efeito espontâneo, ao jogo das causas físicas e políticas, sobre as quais nenhuma influência direta pode exercer a religião.
A decadência social e política, visível em abalos que lhe minaram a estabilidade dos alicerces, é fruto da revolução e da apostasia dos antigos princípio católicos. Se representarmos com uma parábola a trajetória de sua grandeza política e com outra a de sua fidelidade à religião católica, verificaremos facilmente que as duas curvas desenvolvem paralelamente os seu ramos ascendentes e descendentes.
Onde as forças naturais e a Igreja se uniram em harmoniosa aliança nasceu este primor da civilização moderna que se chama Bélgica.
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42. AUG. NICOLAS, Du protestantisme et de tourtes les hérésies dans leur rapport avec le socialisme(2), I, II, c. 2.
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