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terça-feira, 31 de maio de 2016

EXISTEM DOIS SUDÁRIOS? QUAL O VERDADEIRO?


Santo Sudário de Turim e o Sudário de Oviedo
“envolveram a mesma pessoa”, concluiu inquérito


O professor Juan Manuel Miñarro ganhou celebridade criando imagens de Cristo de acordo com o Santo Sudário.
O professor Juan Manuel Miñarro ganhou celebridade
criando imagens de Cristo de acordo com o Santo Sudário.
Veja mais em: Professor faz Crucificado segundo os dados do Santo Sudário
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs



O Santo Sudário de Turim e o Sudário de Oviedo “quase com inteira certeza envolveram o cadáver da mesma pessoa”, concluiu uma investigação que comparou as duas relíquias com base na Antropologia Forense e na Geometria.

O trabalho foi realizado pelo doutor em Belas Artes e professor de Escultura da Universidade de Sevilha, Juan Manuel Miñarro, no contexto de um projeto do Centro Español de Sindonología (CES) sediado em Valencia, Espanha.

O estudo acresce aquilo que é afirmado há séculos pela tradição: que os dois tecidos pertenceram ao mesmo personagem histórico: Jesus de Nazaré.

Também confirma que o Santo Sudário teria sido o lençol funerário que envolveu o Corpo de Jesus quando Ele foi depositado no sepulcro, enquanto o Sudário de Oviedo seria o tecido que cobriu seu rosto na Cruz logo após morrer.

Os dois tecidos seriam aqueles que São Pedro e São João acharam no sepulcro logo após a Ressurreição, segundo narra o Evangelho de São João (20, 1-9):
1. No primeiro dia que se seguia ao sábado, Maria Madalena foi ao sepulcro, de manhã cedo, quando ainda estava escuro. Viu a pedra removida do sepulcro.

2. Correu e foi dizer a Simão Pedro e ao outro discípulo a quem Jesus amava: Tiraram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde o puseram!

3. Saiu então Pedro com aquele outro discípulo, e foram ao sepulcro.

4. Corriam juntos, mas aquele outro discípulo correu mais depressa do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro.

5. Inclinou-se e viu ali os panos no chão, mas não entrou.

6. Chegou Simão Pedro que o seguia, entrou no sepulcro e viu os panos postos no chão.

7. Viu também o sudário que estivera sobre a cabeça de Jesus. Não estava, porém, com os panos, mas enrolado num lugar à parte.

8. Então entrou também o discípulo que havia chegado primeiro ao sepulcro. Viu e creu.

9. Em verdade, ainda não haviam entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dentre os mortos.
O professor Miñarro esclarece que a investigação “não prova por si só que essa pessoa seja exatamente Jesus Cristo, mas sim aponta muito claramente que esse é o caminho para demonstrar completamente que o Santo Sudário e o Sudário de Oviedo envolveram a cabeça do mesmo cadáver”, segundo ele explicou à agência Paraula.

A investigação identificou um número de coincidências entre ambas as relíquias que “supera com abundância o mínimo de pontos significativos ou de provas exigidas pela maioria dos sistemas judiciais do mundo para a identificação de pessoas, que é entre oito e doze, enquanto a nossa análise descobriu mais de vinte”.

As linhas craniométricas permitem identificar rostos. No caso do Homem do Sudário um rosto muito deformado pelas lesões
As linhas craniométricas permitem identificar rostos.
No caso do Homem do Sudário um rosto muito deformado pelas lesões
A investigação registrou “importantíssimas coincidências” nas principais características morfológicas (tipo, tamanho e distâncias entre as pegadas), o número e a distribuição das manchas de sangue, as pegadas peculiares das diversas lesões registradas nos dois lençóis e as superfícies deformadas.

Há “pontos que evidenciam a compatibilidade entre ambos os lençóis” na parte da fronte, onde há restos de sangue, no dorso do nariz, no pômulo direito e no queixo, que “apresentam diversas contusões”.

Miñarro sublinha que os dois tecidos apresentam diferenças morfológicas, mas aquilo “que parece inquestionável é que os pontos onde jorrou sangue se correspondem totalmente”.

As diferenças morfológicas nos tecidos podem se explicar por que “o contato com elas foi diverso” do ponto de vista da duração, modo de aplicação e intensidade do contato da cabeça com cada um deles e pela “elasticidade própria dos tecidos de linho”.

A conclusão é que as coincidências “são tais que ficou muito difícil achar que se trate de pessoas diversas”, sublinhou Jorge Manuel Rodríguez, presidente do CES.

“Chegamos a um ponto em que parece absurdo perguntar se todas essas feridas, contusões, inchaços… poderiam coincidir ‘em virtude de algum azar’. A lógica nos exige pensar que estamos falando da mesma pessoa”, concluiu.

As técnicas utilizadas são as da geometria – para o reconhecimento e a aplicação dos pontos craniométricos e das líneas anatômicas – e as da Antropologia Forense, que é a especialidade da Medicina encarregada de identificar os restos humanos.

Outros trabalhos científicos constataram a afinidade de pessoa em ambas relíquias.
Veja mais em: Concordâncias científicas entre o Sudário de Turim e o de Oviedo
O professor Miñarro utilizou fotografias em tamanho real das duas relíquias e superpôs as imagens com a ajuda de raios laser, acetatos e um programa informático, seguindo um procedimento utilizado na investigação criminalista.

Sua investigação foi desenvolvida durante dois anos, apoiada em diversos estudos prévios do EDICES que o patrocinou, mas também em estudos de outros investigadores, como Giulio Ricci, considerado pioneiro na comparação entre o Santo Sudário de Turim e o Sudário de Oviedo.

O médico forense Alfonso Sánchez Hermosilla e o engenheiro Guillermo Heras, vice-presidente de Investigação do CES, acharam que, aproveitando as técnicas habituais da Criminalística, o professor Miñarro:

“pôde localizar os pontos craniométricos mais significativos nos dois lençóis, tarefa relativamente simples no caso do Santo Sudário de Turim, mas extremamente complexa no caso do Sudário de Oviedo. Isso lhe permitiu reconstituir as proporções antropométricas e craniométricas” dos dois”.

sábado, 28 de maio de 2016

OS RUMORES SOBRE A MORTE DE LUTERO







Máscara mortuária de LuteroFicamos nos perguntando agora quais foram os rumores q
ue se espalharam em torno do ataúde de Lutero, sobre o modo cujo ele morrera. Deveríamos, ao invés disso, nos perguntar em primeiro lugar quem difundira esses boatos, ou quem os fizeram circular? Coelius diz que os autores destas invenções malevolentes, até mesmo diabólicas, só poderiam ser os “papistas”. Mas como esses teriam vindo a Eisleben, a cidade luterana onde, em 1546, a “liberdade da doutrina cristã” florescia a tal ponto que um “papista” não poderia mais viver dentro de suas muralhas?[1] Como eles teriam podido penetrar no meio íntimo de Lutero, seja no círculo dos teólogos e da nobreza de Eisleben, seja em seu serviço pessoal? Sendo dada a persistência dos boatos em questão, eles só poderiam ter saído desse círculo. Neste caso, eles poderiam se espalhar com maior facilidade pela cidade e as redondezas.
Logo, os autores desses boatos só poderiam ter sido partidários de Lutero. Seguramente eles não teriam dito nada, declarado nada, se uma ocasião repentina, extrapolando o comum, não os tivesse forçado a dar uma resposta ao público, que os pressionava com inúmeras perguntas.
Em tais conjecturas, Coelius teria demonstrado muita imprudência ao acreditar que com seu alarido ele “silenciaria o diabo e suas línguas mentirosas”. Ele só soube despertar suspeitas sobre esta questão, e tornar os ouvidos surdos à sua narração. Ele também parece ter se arrependido muito cedo por sua falta de cautela, visto que, na Historia impressa, que ele concluiu e assinou em conluio com Jonas e Aurifaber – um, um pouco mais astuto, e o outro, mais flexível do que ele -, ele não trata mais desses famosos rumores. Como mencionamos mais acima, essa Historia continua a ser para os biógrafos protestantes a fonte histórica primária sobre a morte de Lutero. Eis porque esses boatos teriam sido abafados na controversa protestante, se certos escritores católicos não os tivessem registrado e os mantido como credíveis, ou mesmo proposto eles como fatos históricos.
Logo, de que natureza eram essas afirmações que eram murmuradas ao pé do ouvido? Ainda que elas se diferenciem nos detalhes, resta-lhes, contudo, um fundo comum de concordância. Ou seja, sobre o ponto capital elas estão de acordo, a saber, que Lutero morrera de um modo “completamente súbito, inesperado e, ademais, lamentável[2]”.
Lutero chegara à Eisleben na noite de 28 de janeiro. No dia 29 ele já estava se ocupando dos negócios que interessavam àquele que o patrocinava, o conde Albert de Mansfeld. Além disso, desse dia até o dia de sua morte, ele “pregou” quatro vezes e até “ordenou e consagrou”[3] dois “padres”[4].


Na noite do dia 17 de fevereiro, ele tomou sua refeição como de costume, segundo a Historia: no dia 18, pela manhã, ele não passava de um cadáver. Como era de conhecimento de todos que Lutero não somente gostava muito de comer e beber, mas ainda que ele chegava à intemperança – ele mesmo se vangloriava de “comer” como um boêmio e de “beber” como um alemão[5]
 – não seria natural que tão logo se espalhasse o boato de que por ter comido demais, ele tinha sido atingido por uma apoplexia?  (sem contar que suas forças físicas estavam enfraquecidas).
Podemos ler em Cochlaeus (De actis et scriptis Lutheri; Mayence 1546, Paris e Cologne 1565, p. 298 e seguintes) a narração de um burguês de Mansfeld, que oferece muitos detalhes diferentes daqueles da Historia. De acordo com esse documento, na noite que precedeu sua morte, Lutero teria alegrado alguns companheiros de mesa com suas piadas de costume, contudo, por volta das oito horas, ele teria ficado indisposto. Depois da meia noite, os dois médicos de Eisleben teriam sido chamados de repente para junto dele. Esses, em sua chegada, não teriam encontrado mais sinal de vida nele:
Post medium noctis repente vocati sunt duo medici, quorum alter doctor alter magister erat[6]; qui ubi advenerunt, non repererunt int eo ullum amplius pulsum[7]. Scripserunt tamen mox Receptum quoddam pro immittendo clisterio seu enemate.
Em seguida eles teriam mandado buscar um clister no boticário. A narração continua:
Is ubi advenit, et medicorum jussu temperasset atque calefecisset clisterium, putabat illum adhuc vivere. Cumque versum esset corpus, ut ei clisterium applicaretur, apothecarius videns eum mortuum jam esse, ait ad medicos: Mortuusest, quid opus est enemate! Aderat comes Albertus et nonnulli homines eruditi. Responderunt autem medici: “Quid tum? Appone clisterium si forte supersit ullus adhuc spiritus, ut reviviscat”. Ille ergo cannulam apponens, sensit in saccum clisterii exire quasdam ventositates et bombos. Erat enim totum corpus refertum humoribus ex supefluo cibo potuque. Habuerat enim coquinam magnifice instructam et vinum dulce atque exoticum permultis metretis abundans in hospitio. Ajunt sane, Lutherum, omni prandio et coena unum ebibisse sextarium (várias garrafas) vini dulcis et exotici[8]. Ubi igitur apothecarius clisterius in corpus torsit, totum refusum est e corpore in lectum, qui splendide praeparatus erat. Ait itaque medicis apothecarius: “Non remanet clisterium” – dixerunt illi “Omitte igitur[9].
Nesse momento, os dois médicos chegam a uma opinião diferente sobre o tipo de morte. O que era médico acreditava em uma apoplexia: “Por causa da contorção da boca e do negrume de todo o lado direito”. O que era mestre considerava que um homem tão santo não poderia ter sido atingido de apoplexia por Deus, e que se tratava de um catarro sufocante que o teria asfixiado. Nisso chegam outras pessoas, assim como todos os condes. Jonas estava sentado na cabeceira do defunto, e lamentava profundamente, contorcendo as mãos e gesticulando. Quando lhe perguntaram se Lutero tinha se queixado de algumas dores na noite anterior, (eles já estavam no raiar do dia, na segunda-feira de 18 de fevereiro[10]), ele respondeu:
Ó, não! Porque ontem ele estava mais alegre do que nunca. Ah! Senhor Deus, Senhor Deus[11]!
O relato diz em seguida que eles fizeram novas tentativas para ressuscitá-lo, mas que elas foram inúteis. Esses meios empregados para ressuscitar um morto que a Historia afirma ter dormido na “alegria e na suavidade do Senhor” não são de uma raridade sem precedentes?
Não menos notável é a seguinte passagem da mesma narração:
Em sua casa, como parte da família, Lutero mantinha um tal de magister. Interrogado pelos condes para saber se Lutero tinha se queixado na véspera, ele lhes respondeu que há muito ele não estivera tão alegre; pois ele contara a história do homem faminto que fez um pacto com o diabo para que ele lhe desse de comer. O diabo lhe trouxe carnes em abundância; ele lhe deu carnes cozidas, assadas. O homem uma vez saciado, o diabo lhe pediu sua alma, cuja ele lhe tinha prometido. Porém o outro respondeu que ele deveria esperar até que ele morresse, pois não fora seu corpo, mas sua alma que ele lhe tinha prometido. Ao que o diabo concluiu: Aquele que compra o cavalo, não compra o freio com ele? Absolutamente, disse o homem. E o diabo argumentou por esta inferência: “O cavalo é a alma; o freio é o corpo”. E então ele o levou de corpo e alma[12]”. Ao ouvir a narração dessa história e de muitas outras do mesmo gênero, toda a companhia ficou exultante.
Mais adiante, temos o quadro da solenidade dos funerais. A narração se afasta da Historia quando é dito que várias pessoas e doutores da Universidade de Wittenberg quiseram carregar o corpo de Lutero, de Eisleben à Wittenberg, desde a porta da cidade até a capela do castelo. Nesse intuito, fizeram rapidamente uma maca. Porém, por causa do fedor pestilento[13] que exalava do cadáver, ainda que o tivessem colocado em um ataúde de metal (de estanho) e do frio glacial, foi impossível carregá-lo. Eis porque tiveram de levá-lo sobre uma carroça até a capela do castelo.
Coehlaeus menciona, sem entrar em detalhes, os boatos que circulavam sobre a morte de Lutero. Todavia ele também relata que o defunto, na noite que precedeu sua morte, tinha feito uma rica refeição e provocado o riso entre seus convivas. “Muitos escreveram, prossegue ele, numerosos relatos sobre sua morte. Da nossa parte, os católicos contam algo diferente do que os luteranos dizem e escrevem. Esses publicaram de comum acordo pequenos escritos que devem persuadir todo o mundo da santa morte de seu santíssimo pai, como eles dizem[14]”. Em outra parte (página 298), Coehlaeus diz que a Historia de Jonas é “mentirosa e fútil, mendax et futilis, e que ela contém mais de uma estupidez, complures stultitias, que serve mais para denegrir a reputação de Lutero junto dos eruditos e dos homens de coração do que para celebrá-la, quae apud eruditos et cordatos viros Lutheri faman magis denigrant quam celebrant”.
Ainda que tenham distribuído por toda parte a Historia, muito conhecida do leitor, e os elogios fúnebres (em tiragem à parte) pronunciados por Jonas, no dia 19 de fevereiro; Coelius, no dia 20, em Eisleben, Bugenhagen, e Melanchton, no dia 22, em Wittenberg – com um retrato onde Lutero era representado na glória dos santos -;  ainda que tenham até mesmo mandado cunhar medalhas comemorativas com a mesma efígie[15], a crença na morte de Lutero em odor de santidade só encontrou poucos partidários. E, de acordo com o que vários autores católicos concluem, a opinião dominante, mesmo do lado dos protestantes, deve ter sido de que o Reformador morrera subitamente, de forma miserável.
Helmesius, da ordem de São Francisco, em seu livro: Captivitas Babylonica Martini Lutheri, publicado em Colônia em 1557, faz esta observação:
Subitamente lhe adveio uma dor semelhante àquela do parto, e Deus lhe deu sua parte com os infiéis e os pérfidos hereges, no mais profundo do inferno.
O sábio doutor da Sorbonne, Génébrard, escreve em suas Chronographiae, editadas em Colônia, em 1582 (pag. 1181):
Estando em Eisleben, Lutero, após ter comido e bebido muito à noite, se encontrou, pela manhã, a caminho do diabo[16].
Floremond de Raemond diz em sua Histoire de la naissance, progrès et décadence de l’hérésie de ce siècle (traduzido em latim, em Colônia, 1655; em alemão, em Glogau, 1695):
Encontrei este fato relatado por alguns autores: é que Lutero, tendo se levantado para se aliviar, derramou suas entranhas do mesmo modo que Arius[17]“.
Floremond de Raemond não cita as fontes de sua comunicação; porém, como veremos mais tarde, geralmente ocorreu-lhe de trabalhar sem rigor na citação das fontes históricas.
O cardeal Belarmino oferece uma versão que se aproxima da de Bozio. Encontrá-la-emos mais adiante. Ele diz em um de seus sermões (pregados de 1570 a 1576 em Lovaina, publicados em Colônia em 1615):
Martinho Lutero não viveu como voluptuoso, não morreu como voluptuoso? Certa noite, algumas horas depois de ter comido muito, segundo seu costume, e alegrado todos os seus convivas com seus contos e suas piadas, ele rendeu sua alma ao diabo[18].
O cardeal Hosius acreditava que como Lutero, em quase todos os seus discursos, escritos ou ações, falava, escrevia ou agia sob o impulso do diabo, a mesma coisa deve ter ocorrido em sua morte. Em sua obra clássica Confutatio prolegomenon Brentii (Coloniae 1550), o cardeal se exprime assim:
Visto que em todos os seus dizeres, escritos, feitos e gestos, ele não teve outro conselheiro – muito mau, sem dúvida – senão o ódio e a ira, pode-se ainda duvidar, portanto, de que o que ele fez não veio senão do diabo? Se alguém ainda duvida disso, que ele se deixe esclarecer pelo próprio Lutero, que, em seu livro intitulado Da Missa privada, não esconde quem foi o seu autor. Ali ele mostra o diabo discutindo com ele, trazendo contra a missa argumentos tão fortes que ele não pode refutá-los. Ele descreve o tom de sua voz, grave e robusta, diz ele, terrível de se ouvir, de tal forma que por vezes acontecia de algumas pessoas, depois de terem tido uma conversa noturna com o diabo, serem encontradas mortas na manhã seguinte. O diabo, diz ele ainda, pode matar o corpo: além disso, ele deixa a alma em tais angustias, que por vezes, em um piscar de olhos, ele a faz sair do corpo. Ainda um pouco, segundo ele, e isso teria lhe acontecido[19]. E, definitivamente, isso lhe aconteceu, pois esse que, à noite, tinha comido excessivamente e se alegrado, foi encontrado morto em sua cama na manhã do dia seguinte, após ter causado durante vinte e nove anos grandes perturbações na Igreja de Deus. Eis aqui esse evangelho, essa palavra de Deus, tão magnificamente exaltada por alguns: ele não vem de Cristo, mas de Satanás, que é seu autor, como confessa aquele que por primeiro a lançou ao público; ele se gaba por ter tido de responder contra argumentos que subverteram o sacerdócio e o sacrifício[20]“.
Hosius intitula esse capítulo de: Lutherum malo spiritu actum pluraque perfecisse – “Lutero geralmente agiu sob a influência do espírito maligno”.
A passagem das obras de Lutero que ele cita se encontra no libelo impresso em 1533, “A missa privada e a consagração dos padres“. É aí que Lutero narra que certa noite ele teve uma discussão serrada com o diabo sobre esse assunto. Eis o que ele diz[21]:
Certa vez, por volta da meia noite, fui acordado quando o diabo começou uma argumentação em meu coração, como ele soube fazer em mais de uma noite, com bastante aspereza e amargura: “Escute, ó grande sábio, disse o diabo; você sabe que você celebrou a missa privada quase todos os dias durante quinze anos! Com semelhantes missas, é como se você tivesse praticado uma soberba idolatria, adorando não o corpo e o sangue de Cristo, mas sim pão e vinho, e fazendo os outros adorá-los”. Respondi: “Todavia sou um padre devidamente consagrado; o bispo me deu o santo crisma e a unção; com isso, fazendo tudo por dever e por obediência, eu não teria realmente operado a consagração, quando pronunciei as palavras com toda minha gravidade e prestei toda minha atenção na missa? Você sabe que isso é verdade?” “Sim, retomou ele, é verdade, mas os turcos, os pagãos, em seus templos, fazem todas as suas funções por dever e por obediência, com gravidade. Os sacerdotes Jeroboão de Dan e Berseba, deveriam, sem dúvida, realizar tudo com grande recolhimento, como os verdadeiros sacerdotes de Jerusalém. Tua unção, tua consagração, teu santo crisma são, portanto, tão pouco cristãos e tão falsos quanto entre os turcos e os samaritanos”. “Então o suor correu sobre meu corpo; meu coração se colocou a tremer e a palpitar… Semelhante disputa não lhe demandaria reflexão: em um piscar de olhos uma coisa respondia à outra. E foi aí que eu entendi como ocorria de, pela manhã, encontrarem pessoas mortas em suas camas. O diabo pode matar o corpo; isso é certo. De tanto discutir, ele pode terrificar a alma ao ponto dela sair incontinente do corpo, como ele tentou fazer frequentemente comigo.[…]
A discussão ainda durou uma hora, até que o “homem de Deus” deu razão ao diabo.
Eis o caminho das ideias que Hosius segue. O cardeal quer dizer que como Lutero se devotou ao diabo enquanto vivo, ele teve de fazer o mesmo em seu último instante. Porém, – é o que devemos ler nas entrelinhas – resta saber se Lutero morreu de medo e de superexcitação, ou se o diabo o matou com a permissão de Deus, quando a medida dos malfeitos do Reformador ficou completa, ou ainda se Lutero, agindo como instrumento do diabo, não teria se suicidado, como fez Montano. Essa última interpretação parece convir mais ao autor, ao jugarmos pelo título do capítulo: “Que Lutero geralmente agiu sob a influência do diabo“.



Em relação à citação precedente de Hosius, o teólogo Gabriel Prateolus Marcossius acredita poder constatar em sua obra: De vitis omnium hacreticorum, que Lutero morreu antes de asfixia que de morte natural: “Lutherum non tam mortuum quam suffocatum esse”. (Colônia, 1583, p. 294).
Da mesma forma, Claude de Sainctes (bispo de Evreux e teólogo do rei da França no concílio de Trento) se remetendo a Hosius, porém visivelmente auxiliado por alguns documentos mais especiais, se expressava assim sobre o mesmo assunto, em seu livro de Rebus Eucharistiae (Paris, 1575, p. 26):
O diabo ainda tem se manifestado nos acessos de fúria e nas perturbações do espírito. Aqueles com quem ele tem se ocupado não têm descanso dia e noite, e são como que também arrastados a mortes súbitas e violentas, por onde ele eliminou alguns, como Zwingle, Lutero, Carlostadt, Empser, Œcolampade e outros. Por vezes aprouve a esse espírito se mostrar tal como ele é, por espectros e aparições: isso tem acontecido segundo os decretos de Deus, para impedir que se confunda seu anjo com o anjo decaído. Lutero, em seu livro da Missa privada, faz o diabo intervir para conversar com ele. O diabo lhe apresenta argumentos contra o sacrifício da missa, muito fortes para que ele pudesse respondê-los. Ele descreve sua voz grave, forte, com um som terrível, tal como acontece por vezes com homens que, depois de terem tido uma conversa noturna com o demônio, foram encontrados mortos na manhã do dia seguinte, e isso porque Satanás chega até a asfixiar a respiração… Por conta própria, é preciso acrescentar que cremos que Lutero partiu do mesmo modo. Deitando-se à noite entupido de bebida, na manhã ele foi encontrado estendido, enegrecido, com a língua esticada, como um homem estrangulado. Portanto, e devemos repetir isso, encontraram Lutero, na manhã de 18 de fevereiro, “enegrecido, com a língua esticada, como que estrangulado”[22].


Todos esses dados se conciliam entre si, enquanto conduzem a informações seguras. Elas se conciliam suficientemente com o testemunho dado pelo criado de Lutero, testemunho conhecido mais tarde. Ainda hoje é possível verificar os sintomas que acabamos de descrever, baseados apenas na máscara mortuária do Reformador.
*****
MAJUNKE, Dr. Paul. La fin de Luther. Tradução de Robson Carvalho. Paris, Hte Walzer, 1893. p. 6-32.

Notas: 
[1] Em La Réfome de Dollinger, I, p. 27.
[2] Em Inquisition wahrer und falscher Religion, Dollingen 1573.
[3] A famosa Historia dá sem dúvida a esta “ordenação” a mesma consideração que aos quatro sermões.
[4] Seria necessário citar aqui a carta que Lutero escreveu em 1º de fevereiro “Vigilia Purificationis” para anunciar sua chegada à Eisleben, à sua “cara mulher”.
[5] No original, “fressen” e “saufen”, que designam as funções nutritivas e gastronômicas nos animais. O francês não tem equivalente.
[6] Jean Nas e P. de Coster. Luthers Testament. p. 193.
[7] Cf. Vita Lutheri nummis atque iconibus illustrata. Francofurti et Lipsiae 1899, p. 177 e seg.
[8] Garasse, “Doctrine Curieuse”, p. 772, 773; Fitz Simon “Britannomachia”, lib. I, c. XI, p. 95; Mathnesius “De ritu bibendi”, lib. I, c. IX, p. 76.
[9] A pluma se recusa a traduzir este texto latino até aí.
[10] Ver a nota 2 da página precedente.
[11] O autor, em Luthers Testament, demonstra por numerosas testemunhas quanto foi difícil aos protestantes determinar a doença de Lutero: o doutor Brück, chanceler do eleitor do Saxe, escreve para este que Philippe Mélanchton o informou, sobre a doença de Lutero, que ele tinha sido curado no ano anterior com casca de romã. Lutero não foi asfixiado por um catarro, como pensam comumente (Arquivos de Weimar). Mélanchton, em um sermão de 19 de fevereiro de 1546, dizia aos seus auditores de Wittenberg, que em 17 de fevereiro, Lutero começou a sentir novamente os ataques de seu mal crônico, a opressão dos humores no orifício do ventrículo (Cf. Historiae de vita et actis Rev. viri D. Mart. Lutheri… conscripta a Phil. Melanchtone).
[12] Lutero parece ter contado algo de sua história. Segundo os Tischreden, teria se tratado não de “carnes”, mas de vinho. Cf. Michelet, Mémoires de Luther, Tom. III, p. 175.
[13] Vejam mais abaixo a relação de Helmesius, de Thyraeus.
[14] Loc citato, p. 294.[22] Cf. Jean Nas, 5º centurie. Vejam Cardeal Hergenroether, Histoire de l’Église, tome V, p. 350.
[15] Lutherus Islebii cum vespere egregie esset pastus et potus, mane repertus est ad Satanant descendisse.
[16] A quibusdam proditum invenio, eodem modo Lutherum, cum e lectulo ventris exonerandi caussa surrexisset, quo Arius intestina fudisse”. (pag. 265)
[17] Concio IX, p. 562.
[18] Contra Brent., em Feu-Ardent, Entremangeries ministrales, p. 10, Paris, 1601.
[19] P. 8 e seguintes.
[20] Histor. Sacrament, part. II, fol. 131.
[21] Na edição de Wittenberg, 1561, fo. VII, p. 443 e seg.
[22] P. 26.



Fonte: CIDADE CATÓLICA

sexta-feira, 27 de maio de 2016

AS FREIRAS: ESSAS NOTÁVEIS SERVAS DE DEUS, DA IGREJA E DOS HOMENS SOFRIDOS








O premiado colunista norte-americano Nicholas Kristof, do jornal The New York Times, elogiou recentemente as religiosas católicas. Porém, ele deixou de citar toda uma categoria de freiras cuja fidelidade à Igreja faz parte do seu testemunho para o mundo.


 

Não me interpretem mal. Eu também acho bom quando um ganhador do Prêmio Pulitzer elogia as freiras. Kristof já fez esta boa ação várias vezes, aliás. A última, num artigo chamado “Sister Acts”, sobre o novo livro da escritora Jo Piazza, “If Nuns Ruled the World” [“Se as freiras governassem o mundo”].
 

Jo Piazza e Nicholas Kristof têm algo em comum: “Eu posso não acreditar em Deus”, diz a escritora, “mas acredito nas freiras”. Jo ama as mulheres de Deus, mas não ama a Deus; Kristof, por sua vez, ama as pessoas que trabalham na Igreja, mas não ama a Igreja.
 

Quando Kristof escreve sobre assuntos católicos, ele procura ressaltar a sua tese de que existem “duas” Igrejas católicas.
 

Uma seria a “rígida hierarquia exclusivamente masculina do Vaticano” que ele considera “obcecada com dogmas e regras e distraída da justiça social”.
 

A outra é a que “eu admiro intensamente”, escreve ele. “É a Igreja católica de pés no chão, que faz um bem ao mundo muito maior do que jamais será reconhecido”, servindo aos necessitados e educando os pobres. Ironicamente, como exemplos dessa “Igreja de pés no chão”, ele cita dois grupos chefiados pela hierarquia: o U.S. Catholic Relief Services, braço de serviços sociais católicos dos EUA, e a Caritas, do Vaticano.
 

“O próprio Jesus focou mais nos necessitados do que no dogma”, proclama ele, esquecendo-se do Sermão da Montanha, do Discurso Eucarístico, do Discurso da Última Ceia, do Grande Envio dos Apóstolos, das Chaves do Reino, do “nem sequer um til” e de muitas outras coisas.
 

Seria esclarecedor, penso eu, responder a essa história das “duas Igrejas” com exemplos de mulheres fortes que pertencem à única Igreja; mulheres que aceitam todos os ensinamentos de Jesus, incluindo o seu conselho de “ouvir a Igreja” (Mateus 18,17).
 

A irmã Roseann Reddy,(abaixo)  por exemplo, fundou a primeira nova ordem religiosa na Escócia em 150 anos, a fim de ajudar a cumprir a promessa do falecido cardeal Thomas Winning de que qualquer mulher que enfrentasse uma gravidez crítica ou sofresse por causa do aborto poderia achar auxílio na Igreja católica. Fundar uma ordem desse tipo exige uma força incomum, e ainda mais força incomum para encarar a opinião popular.





“Se você é membro da Igreja católica, você sabe que nós não somos uma democracia e que nunca dissemos que fôssemos uma democracia”, disse ela. “A ordenação de mulheres nunca vai mudar, por causa da natureza do sacerdócio católico, que se baseia no fato de que Cristo era homem. Nós acreditamos que, quando o sacerdote celebra os sacramentos, é Cristo quem os celebra através dele”.
 

Todo mundo é seu amigo quando você aceita a “verdade” tal como a cultura popular a vê. Mas experimente aceitar a verdade tal como Deus a vê e repare na rapidez com que você perde amigos. Olalla Oliveros sabe disso. Ela é outra mulher forte que entregou a vida a Deus.
 

Olalla ( Foto abaixo) foi uma modelo de sucesso na Espanha, mas se viu cada vez mais infeliz com a adulação do mundo em torno da beleza superficial. Certo dia, no Santuário de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal, ela sentiu um “terremoto interior”.



No início deste ano, Olalla Oliveros passou das passarelas para o claustro. E não foi a primeira. Em 2005, a hoje religiosa Amada Rosa Pérez ainda era uma top model colombiana. “Eu quero ser uma modelo que promova a verdadeira dignidade da mulher e não o uso delas para fins comerciais”, declarou Amada.
 
É preciso ter coragem para contrariar a mídia em nome da Igreja. Mas também é preciso coragem para levar a Igreja até a cultura popular.


 

E foi isto o que fez a irmã ursulina Cristina Scuccia, (abaixo)  de 25 anos de idade. Primeiro, ela venceu a edição italiana deste ano do concurso musical “The Voice”. Depois, ela fez o impensável: “Eu quero que Jesus entre aqui”, declarou ao público, levando a plateia toda a rezar um pai-nosso televisionado.

Talvez Kristof pudesse ainda ter escrito sobre a irmã Antonia Brenner, que morreu em 2013, aos 86 anos de idade. Casada e divorciada duas vezes, ela teve sete filhos antes de se tornar freira e literalmente viver com os detentos de um presídio em Tijuana, cidade fronteiriça entre o México e os EUA e mundialmente conhecida pelos altíssimos índices de violência.
 

“Eu sou muito eficaz nos momentos de rebelião porque eu não tenho medo. Eu só rezo e vou caminhando para o meio do motim”, disse ela à Associated Press em 2006. “Uma mulher de véu branco vai entrando, uma mulher que eles sabem que os ama. Aí vem o silêncio, a explicação e a calma”.
 

A irmã Antonia poderia ter sido facilmente uma vítima da mentalidade das “duas Igrejas”. Durante anos, depois de se divorciar, ela não pôde receber a Sagrada Comunhão. Isso não a impediu de fundar uma nova ordem, seguindo a espiritualidade de São João Eudes, para servir aos pobres.



Kristof também podia ter dado destaque a uma mulher mártir contemporânea, como a irmã Valsa John (abaixo), das Irmãs da Caridade de Jesus e Maria. Aos 53 anos, ela foi espancada até a morte, há dois anos, quando trabalhava pelos povos tribais de Jharkhand, no leste da Índia. A irmã Valsa tinha passado 24 anos como voluntária nos trabalhos mais desafiadores da sua ordem. Apesar do aumento das preocupações da ordem com a sua segurança nos últimos anos, a irmã Valsa não se rendeu. “Ela estava determinada a ficar junto com o seu povo”, conta a irmã Mary Scaria, da Conferência Episcopal da Índia. “A irmã Valsa não era uma freira comum. Nós perdemos uma irmã corajosa e determinada, que se levantava em favor dos pobres”.



Tem sido assim ao longo dos tempos. De Santa Catarina de Alexandria a Santa Catarina de Siena, de Santa Teresa de Ávila à Beata Teresa de Calcutá: mulheres fortes têm servido tanto a Deus quanto à sua Igreja, una, santa, católica e apostólica.

O papa Francisco observou: “Nós podemos construir muitas coisas, mas, se não confessamos Jesus Cristo, de nada adiantará. Seremos só uma ONG, mas não a Igreja, Esposa de Cristo”.
 

Não há razão nenhuma para tratar como cidadãs de segunda classe as mulheres que são fiéis ao magistério da Igreja. Elas amam os pobres e amam a Igreja. E Kristof tem razão no seguinte: todos nós devemos imitar essas notáveis mulheres ​​de Deus.

Fonte: NSCM

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