Juliano o apostata
Espalhados pelos quatros cantos do mundo, no ano de 362 os judeus se reuniram, como no tempo de Zorobabel, para novamente tomar posse do solo de sua pátria. Essa movimentação não deixava de comprometer, em diversos lugares, a segurança dos cristãos. Ufanos da proteção do imperador Juliano, os filhos de Israel não resistiram à cruel satisfação da vingança.
Juliano, em sua ambição, não estava satisfeito. Queria legar à posteridade um monumento digno da grandeza de seu gênio. Com essas idéias, concebeu o projeto de restabelecer o templo de Jerusalém, outrora assediado por Vespasiano, e destruído por Tito após um cerco famoso.
Este empreendimento devia custar uma soma imensa. Foi uma razão a mais para Juliano tentar realizá-lo. Colocou à frente desse gigantesco trabalho Alípio de Antioquia, que pôs energicamente mãos à obra. Mas turbilhões de fogo terríveis, lançando-se das entranhas da terra em jatos contínuos, devoraram os trabalhadores e tornaram impossível o acesso aos canteiros de construção.
No começo de 363, os trabalhos preliminares da reconstrução do templo estavam quase concluídos. O concurso de trabalhadores estrangeiros sob a direção de Alípio e os créditos abertos generosamente por Juliano tinham imprimido à obra nacional dos judeus uma incrível atividade. Os fundamentos do novo edifício estavam prontos; o terreno estava preparado; o material necessário estava junto à obra.
Foi fixado o dia para a colocação solene da primeira pedra do novo edifício. De manhã, uma imensa multidão invadiu o monte Sião, para assistir à grande cerimônia. Nesse momento fez-se sentir um tremor de terra. A convulsão intestina foi tal, que lançou pedaços de rochas das entranhas da terra, como se movidas por uma erupção vulcânica, matando os operários mais próximos e levando a morte longe, nas fileiras dos espectadores.
Os edifícios públicos vizinhos desmoronaram com imenso fragor, sepultando sob os escombros uma multidão de curiosos que se tinham juntado ali. Os gritos dos moribundos e dos feridos eram ouvidos no meio do “salve-se quem puder” geral. No meio da multidão espavorida, que fugia para todos os lados, uns tinham perdido um braço, outros um olho, outros uma perna. O tremor de terra durou o dia todo, com terríveis intermitências.
No dia seguinte, os abalos não mais se fizeram sentir. As pessoas retomaram coragem e foram revistar os escombros, para retirar as vítimas que pudessem ter sobrevivido à catástrofe. Após a primeira operação, que nada veio perturbar, a esperança e a coragem foram reanimadas no fundo dos corações. Pensaram poder retomar a obra, tão bruscamente interrompida. O exército de trabalhadores ocupou de novo aquele canteiro de desolação, para reparar o desastre. No entanto, mal os operários se instalaram, uma erupção de fogos subterrâneos, combinados com horrível tempestade, arrebentou de repente. Desta vez as vítimas foram em número muito maior.
A chama produzida pelos raios tinha tal energia, que consumia num piscar de olhos e reduzia a cinzas o ferro dos martelos, dos machados, das picaretas e das serras. Um ciclone, turbilhonado sobre a montanha, dispersou como se fosse de palha o material reunido para a construção. A tormenta durou o dia todo. Quando chegou a noite, tomou ela um caráter ainda mais prodigioso. Uma grande cruz de fogo foi desenhada no céu, e milhares de outras pequenas cruzes do mesmo tipo, circulando nos ares, vinham incrustar-se nas roupas dos judeus, traçando nelas distintamente cruzes negras, consteladas por meio de furos de uma estreiteza e regularidade que teriam desafiado a agulha mais sutil.
Nessa terrível noite, cujo espanto lembrava o dos egípcios sob a vara de Moisés, eram ouvidas vozes atônitas proclamando a divindade de Jesus Cristo e pedindo o batismo. Todavia, grande número de judeus se obstinaram em sua incredulidade. Atribuíram os fenômenos estranhos ao tremor de terra, que devastou não apenas a cidade de Jerusalém, mas também Nicópolis, Napluse, Eleuterópolis, Gaza, enfim, toda a zona do litoral asiático.
(Pe. J.E. Darras, “Histoire Generale de L’Église” – Ed. Louis Vivès, Paris, 1867, vol. 10)
Juliano sabia que, segundo a predição de Jesus Cristo, não devia ficar pedra sobre pedra do edifício do templo, e quis dar um desmentido ao “Deus dos galileus”. Posto que não gostasse dos judeus, chamou-os para a obra e prodigalizou-lhes dinheiro e promessas. Encarregou o conde Alípio, um dos seus mais fiéis oficiais, de vigiar e apressar os trabalhos.
Começaram por arrancar os antigos alicerces. O número dos operários era incalculável, e o seu ardor parecia que superaria todos os obstáculos. Contudo, S. Cirilo, Bispo de Jerusalém, zombava de todos os seus esforços e dizia publicamente que era chegado o tempo em que se cumpririam literalmente os oráculos do Senhor: “Nem sequer porão uma pedra sobre outra” — repetia o santo prelado sem se perturbar. Efetivamente, tirados os velhos fundamentos, sobreveio um horrível terremoto, que encheu as escavações, dispersou os materiais amontoados, derrubou os edifícios vizinhos, matou ou feriu uma parte dos trabalhadores.
Passados poucos dias, lançaram outra vez mão à obra. Mas imensos globos de fogo saíram das entranhas da terra, repeliram os materiais e devoraram os obreiros e as ferramentas. Este terrível fenômeno reproduziu-se várias vezes. O fogo só cessou de aparecer depois de abandonada a obra. Este fato é incontestável. Atestam-no S. Cirilo, testemunha ocular, S. Jerônimo, S. Ambrósio, S. Crisóstomo e S. Gregório Nazianzeno, contemporâneos deste prodígio. Além desses, os historiadores Rufino, Sócrates, Sozomeno, Teodoreto, Zonoras, Epifânio, o diácono Nicéforo, Calixto, o ariano Filostorgo, o judeu David Gunzi, o rabino Gédaliah e o próprio Amiano Marcelino, pagão, amigo íntimo e zeloso defensor de Juliano.
A este respeito, S. Crisóstomo exclama: “Cristo edificou a sua Igreja sobre a pedra, e nada pôde derrubá-la. Ele derrubou o templo, e nada pôde reedificá-lo. Ninguém abate o que Deus eleva, nem eleva o que Deus abate”. Segundo a maior parte dos autores eclesiásticos, juntou-se um fogo vindo do céu às chamas saídas da terra, e apareceram cruzes luminosas nos ares, e até sobre a roupa dos trabalhadores. Tão extraordinário prodígio espantou todos os espectadores. Muitos judeus, e até idólatras, confessaram a divindade de Jesus Cristo e pediram o batismo.
Deste modo, em lugar de destruir a profecia do Salvador, Juliano completou-a, tirando até a última pedra do templo de Jerusalém. Ele ficou confundido, mas nem por isso abriu os olhos à luz.
(Pe. Rivaux, “Tratado de História Eclesiástica” – Livraria Chardron, Porto, 1876, Tomo I, pp. 305-307).
Expedição de Juliano contra os persas
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Juliano acabava de depor sua couraça quando um clamor intenso irrompeu em torno dele. Era o exército persa... |
Depois de magra refeição, Juliano sentou-se numa cama de campanha para redigir seu diário. Durante esse trabalho, viu ele aparecer a seu lado o gênio do império, o mesmo que já o tinha visitado no palácio de Lutécia (atual Paris) na noite em que as legiões gaulesas o tinham saudado com o título de Augusto. Desta vez o espectro estava vestido com um manto negro. Fitou longamente em Juliano um olhar tristonho e saiu da tenda sem pronunciar uma única palavra.
O imperador saiu em disparada, aterrorizado, ao encalço do fantasma. Por causa de seus gritos, acorreram à sua tenda seus mágicos e sacerdotes pagãos habituais, tendo Máximo à frente. Tentaram tranquilizá-lo. Aconselharam-no a oferecer um sacrifício aos gênios protetores. À meia-noite, a vítima, uma novilha branca, foi levada para junto do altar. Mas no momento em que a faca do sacerdote lhe abria o pescoço, uma estrela que deslizava lentamente descreveu um arco no zênite, traçando um rastro de luz que se extinguiu repentinamente no horizonte. “É o deus Marte que se vinga de mim!” — exclamou Juliano.
A última noite de Juliano, perturbada por essa série de presságios funestos, findou em consultas aos mágicos e sacerdotes. Os intérpretes oficiais da vontade dos deuses declararam unanimemente que esses fenômenos eram uma advertência do céu, e que se tornava necessário suspender todos os planos de ataque para o dia seguinte.
Sob um sol tórrido, Juliano acabava de depor sua couraça quando um clamor intenso irrompeu em torno dele. Era o exército persa que, aproveitando a situação excepcional, invadia o acampamento. Sem se dar o tempo de revestir a armadura, Juliano monta a cavalo, voa até a retaguarda onde tinha lugar o ataque, e organiza a resistência. Alguns instantes depois, um grupo de arqueiros persas faz chover sobre o imperador e sua escolta uma saraivada de flechas. Uma delas, após arranhar o braço direito do imperador, vem enterrar-se-lhe no fígado.
Diz Teodoreto que nesse momento Juliano levou a mão à ferida, recolheu o sangue que saía aos borbotões e o lançou ao céu, gritando: “Venceste, Galileu!”
(Pe. J.E. Darras, “Histoire Generale de L’Église” – Ed. Louis Vivès, Paris, 1867, vol. 10)
Fonte: SOS - FAMÍLIA & JUVENTUDE
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