Entenda o que são os tais R$ 2,3 trilhões citados pelo ministro do Tribunal de Contas da União e esteja bem amparado para
as futuras tretas
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A treta já está instalada nas redes sociais - tanto no Twitter quanto no Facebook são citados os tais R$ 2,3 trilhões apontados pelo ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União em seu discurso na noite de quarta-feira. É muito dinheiro mesmo, não há dúvidas. E não há dúvidas de que houve um grande erro do governo federal e que agora será discutido no Congresso Nacional.
Mas é bom esclarecer: não houve roubo de R$ 2,3 trilhões em dinheiro público.
Este número citado pelo ministro é na verdade - segundo o próprio Nardes - umdéficit atuarial. O ministro acusa o governo da presidente Dilma Roussef de sumir com este valor do balanço financeiro. Um valor que mostra o quanto o país está preparado para o futuro, na verdade, em termos orçamentários.
Vamos explicar por partes: primeiro, o que é “atuarial”. A ciência atuarial é basicamente o conjunto de conhecimentos e cálculos de riscos - principalmente para a elaboração de planos de seguro ou de previdência. Você vê isso em uso quando algum jornal informa que o seguro contra roubo de automóveis ficou mais caro em determinada cidade por causa da violência - sim, porque o risco de o automóvel ser roubado ficou maior.
O profissional que atua nestas operações avalia perdas e prêmios, usando matemática e estatística - o nome dele é “atuário” e ele trabalha com registro que exige até exame, como acontece com os advogados, que fazem exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
As ciências atuariais são bem complexas e difíceis para compreensão da maioria da população. Mas vamos tentar explicar o que é o déficit atuarial.
A Previdência brasileira tem dois regimes: o maior deles, com 25 milhões de beneficiários, é o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), sob o qual estão os trabalhadores urbanos e rurais. O outro é o Regime de Previdência Própria dos Servidores, que tem mais de um milhão de beneficiários, entre civis e militares.
A Previdência tem hoje um déficit de 112 bilhões - no entanto, o maior déficit é do regime dos servidores (um milhão de beneficiários), que atinge R$ 62 bilhões, contra R$ 50 bilhões do RGPS (25 milhões de beneficiários).
Qual foi a soma que fez o ministro? É atuarial, ou seja, é uma projeção do déficit até o último beneficiário receber (claro que ele se refere ao momento atual, mas no cálculo considera também a tendência de entrarem mais beneficiários). São os dois déficits, portanto, somados, e essa soma multiplicada pelo prazo estimado de uso da previdência que resultam nos tais R$ 2,3 trilhões.
O problema é que a tendência é que cada vez menos pessoas contribuam para pagar um só benefício. Sim, quando você desconta o INSS, não está pagando a SUA previdência agora, e sim a de alguém. Se hoje há em torno de 11 de “você” para pagar um beneficiário, mais à frente, com o déficit, não haverá tanta gente para sustentar o sistema. E aí...mais rombo surge e mais impostos para cobrir.
Os R$ 2,3 trilhões não estão na conta bancária da Dilma ou do Lula ou do Aécio ou do Eduardo Cunha. Eles são uma projeção futura de gastos não contabilizada no orçamento federal. O termo desvio na verdade se refere ao desvio da função do dinheiro, ou seja, em vez de ser aplicado na Previdência confome previsão do orçamento, ele foi usado em outros setores.
O que acontece é que o número de trabalhadores sempre foi bem maior do que o de beneficiários - e aí a Previdência sempre é vista pelos governos como uma espécie de poupança para socorro nas horas mais difíceis. Afinal, com o número de contribuintes sempre maior que o número de idosos e pensionistas, claro que sobraria um dinheirinho. Ou dinheirão.
O problema maior apontado pelo TCU se refere à Responsabilidade Fiscal, que é a lei mais básica para a administração, tanto pública quanto privada: não gastar mais do que arrecadar. Você faz isso na sua casa, certo? Quando entra no cheque especial ou exagera no cartão de crédito o “TCU” (mãe, esposa, marido, pai) reclama, né?
Pois bem: o Tesouro Nacional, de 2012 a 2014, atrasou, segundo o TCU, os pagamentos para diversas instituições financeiras públicas e privadas que pagam benefícios sociais e previdenciários, como o Bolsa Família, o abono e seguro-desemprego, e os subsídios agrícolas. As instituições não recebiam em dia mas pagavam o “consumidor” final em dia, e com recursos próprios.
A dívida do governo com os bancos e instituições portanto...entrou no “cheque especial”. E isso inclui a Previdência, onde está a projeção de R$ 2,3 trilhões.
É grave? Sim. Mas é bom argumentar com conhecimento, razão e equilíbrio nas tretas, né? Então fica o recado: não, não tem R$ 2,3 trilhões na conta de ninguém do governo, senão a pessoa já teria até fugido de transatlântico!
Fonte: GLOBO
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