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sábado, 16 de novembro de 2013

OS PRIMEIROS CONCÍLIOS



(Pe. Ignácio, dos padres Escolápios)
Fonte: CLERUS


INTRODUÇÃO: Vivemos num mundo em que são tantas as mentiras que é difícil conhecer a verdade. Isso pode ser também afirmado da verdade religiosa, de modo que, ou admitimos que cada um tem sua verdade, e daí a confusão e multiplicação das crenças, ou se admitimos que a verdade é una ou única, temos a obrigação de buscá-la até a encontrar. No caso anterior, a tolerância deve ser a primeira conseqüência, e a intolerância a última e ilógica conclusão. No segundo caso, entraríamos na teoria das probabilidades para deixar uma porta aberta a outras escolhas e de um modo especial, vista a subjetividade individual em que se transforma a busca e a posse da verdade universal, também estaríamos obrigados à tolerância. Esta, pois, deve ser a base da religião atual, qualquer que sejam suas premissas.
Porém nem sempre foi a tolerância o motor das relações religiosas, nem podemos afirmar que ela o seja hoje em todas elas. De fato, a diversidade religiosa foi outrora tratada como um mal a combater, como se a intolerância fosse uma virtude e não um defeito, um dever e não uma conduta viciosa e errada.
Ao intentar escrever sobre os primeiros Concílios da Igreja, veremos como não é questão de disciplina ou norma de vida o que neles essencialmente se discutia, mas é a natureza de Deus, especialmente a sua natureza trinitária e na sua relação com o homem, ou seja a salvação do mesmo.

ECUMÊNICO: A palavra provém do grego (oikumene=terra habitada) e em termos modernos significa universal. Muitos admitem o Concílio de Nicéia(325)como o primeiro concílio ecumênico, mas outros pensam que o primeiro digno desse nome, foi o concílio de Jerusalém(43), celebrado este em vida dos apóstolos. Como em todos os concílios, em Jerusalém temos duas partes bem diferentes: a principal é a verdade teológica(respeito a Deus) a ser aplicada e representada em termos humanos e portanto analógicos e imperfeitos, embora filosóficos e científicos, que chamamos de teológicos. Por serem científicos têm o carimbo de serem absolutos e irrefutáveis. Eles constituem a base da crença ou da fé. A segunda corresponde aos cânones ( normas ou regras) a serem observados na vida prática. Estes parecem mais moldáveis e cambiantes, segundo os costumes particulares de cada época. Se os primeiros constituem o credo comum, os últimos formaram a base do que se tem chamado Direito . Ambas as partes podem ser encontradas no Concílio de Jerusalém.

O PROBLEMA TEOLÓGICO: Alguns cristãos dos chamados judaizantes, ensinavam: "Se não vos circuncidais, segundo a prática de Moisés, não podereis ser salvos(At 15,1). Aparentemente era um erro ou desvio de conduta. Na realidade como Paulo demonstra em Gal 2 e 3, era um erro doutrinal. Pois se a circuncisão fosse necessária, a cruz de Cristo(=redenção) seria inútil. Admitir a necessidade da circuncisão era esvaziar a cruz de Cristo. Por isso no Concílio a resposta foi dada de modo pleno e satisfatório por Pedro: "Cremos que somos salvos pela graça do Senhor Jesus, tanto os judeus como os pagãos"(At 15,11). Ou seja, a salvação, para todos, tem como causa e origem a obra gratuita e amorosa de Jesus(Xaris em grego).

OS CÂNONES: como em todos os concílios ecumênicos, após a determinação de uma particular verdade teológica, hoje chamada de dogma, procura-se resolver problemas de conduta, muitas vezes desordenada por não dizer pecaminosa. Se os gentios não estavam obrigados à circuncisão, qual deveria ser sua conduta em termos relativos aos ídolos, e comidas e relações matrimoniais que implicavam impurezas, contraídas segundo a lei, e portanto afastamento de Deus, segundo pensar comum na época? De todas as inúmeras formas de impureza contaminantes que impediam a convivência com os judeus, Tiago só pede três abstenções, que constituíam a lei chamada dos filhos de Noé e que eram propostas aos pagãos conversos que freqüentavam a sinagoga. A impureza de contaminação provinha dos idolotitos, as carnes compradas nos açougues e que eram parte dos animais sacrificados aos ídolos; a impureza da fornicação que os modernos entendem de contrair matrimônio com pessoas consangüíneas, e que talvez poderia ser em parte a de usar o matrimônio durante a menstruação, e finalmente a impureza de comer ou beber sangue de animais, em cujo caso entrava a comida de animas sufocados, dos quais o sangue não foi retirado antes da morte. Compreende-se que a convivência de judeus e pagãos era difícil nos primeiros momentos do cristianismo e que aqueles, acostumados a uma série de complicadas leis de pureza que faziam insuportável a vida, como diz o Senhor(Mt 23, 4), tivessem reparos em aceitar os novos irmãos dentro de suas reuniões.

CONCLUSÃO: O primeiro problema, o da circuncisão, demorou muito tempo em ser resolvido e constituiu a grande cruz de Paulo( talvez em parte se refira a isso dizendo que estava sofrendo o que faltava à cruz de Cristo). Mas também foi a base de sua doutrina sobre a liberdade da lei, nas suas cartas aos Gálatas, Romanos e Efésios. Hoje é um problema completamente resolvido e esquecido. Enquanto aos cânones, como norma de conduta cristã, sabemos que estavam vigentes no século II pelas palavras dos mártires de Lião; mas desapareceram com o tempo desde que o convívio com os judeus não foi mais necessário, e não constituem hoje em dia objeto de legislação eclesiástica alguma.

O CONCÍLIO DE NICÉIAI: A PARTE DOGMÁTICA

CONCÍLIO: A palavra concílio (do latim concilium) significa convenção, reunião. A convocação dos mesmos não tem origem eclesiástica nos quatro primeiros, até o de Calcedônia inclusive (451); mas foram convocados pelos imperadores de Constantinopla. Devemos distinguir entre concílios e sínodos, estes últimos restringidos a lugares e casos mais particulares, embora a palavra concílio fosse usada também para sínodos locais. Os concílios são designados pelos nomes das cidades onde teve lugar a reunião. Caso de haver mais de um concílio na mesma cidade, recebe um numeral distintivo, como por exemplo Nicéia II ou Constantinopla IV. Tanto os católicos como os gregos ortodoxos e algumas denominações evangélicas aceitam como válidos os oito primeiros concílios até o Constantinopolitano IV (869) antes da excisão entre as dois grandes ramas da Igreja em oriental e ocidental. Vamos nos deter no primeiro concílio ecumênico, o de Nicéia I em 325. Houve um outro concílio em Nicéia em 787(Nicéia II) que condenou os iconoclastas ou aqueles que queimavam imagens e que logicamente certos evangélicos não consideram como ecumênico.

CONCÍLIO DE NICÉIA I: Junto com o Constantinopolitano I determinou a base da crença na Trindade, pela qual os que somos cristãos nos distinguimos dos judeus e dos maometanos, professando uma fé num Deus único, mas ao mesmo tempo trino em pessoas que nos distingue das outra religiões que entram na denominação de religiões do "livro". Os outros dois concílios que determinam a Encarnação, Éfeso e Calcedônia, entram dentro dos quatro admitidos hoje por todos os cristãos. Diante da autonomia do Bispo local, considerado como representante dos apóstolos, o concílio é a única possibilidade de dar expressão à unidade da Igreja. A partir de Constantino, as normas eclesiásticas que acompanham as definições dogmáticas dos concílios ecumênicos, constituem decisões que tem efeito civil de leis imperiais.

CONVOCAÇÃO DO CONCÍLIO: Foi o próprio Constantino que o convocou, embora pensou inicialmente em Ancira (centro da Anatólia ou Ásia Menor atual), porque o bispo do lugar era contrário aos arianos, contra os quais se queria combater. Mas depois se inclinou por Nicéia, no momento capital do império. Foi um gesto favorável aos arianos tanto porque o bispo local, Teógnides, como também o metropolitano(bispo da região, Eusébio de Nicomedia, se mostravam benévolos aos mesmos. O programa de Constantino, que já encontrava um Oriente quase totalmente cristão, era realizar uma pacificação geral da Igreja e uma nova organização da mesma, porque, como instituição, se tornara fundamental para a convivência dentro do império romano, neste caso no Oriente. Pretendia assim mesmo, por fim ao cisma originado em Antioquia desde o ano 268 com a condenação do antioqueno Paulo de Samosata.

AS FONTES: A fonte mais importante sobre o Concílio não é direta, como podem ser as atas do mesmo, que não existem no caso, mas os relatos de dois dos protagonistas, nunca enfrentados com outros mais independentes. São eles Eusébio, bispo de Cesaréia, de tendências pro-arianas, e Atanásio, mais tarde patriarca de Alexandria, que na época era diácono e acompanhava o seu bispo Alexandro,o metropolita da região. Se os bispos eram os sucessores dos apóstolos, que presidiam as igrejas particulares geralmente nas cidades importantes, os metropolitanos eram os bispos de uma capital regional, ou província do Império que não tinham outro poder senão o moral de convicção e o de convocar sínodos chamados provinciais. Alguns destes metropolitanos, situados em lugares de suma importância, receberam mais tarde no Concílio de Calcedônia(451) o título de Patriarcas. Eram cinco os patriarcas: Roma, Alexandria, Antioquia, Jerusalém e Constantinopla.

EUSÉBIO DE CESAREIA (265-340): Era bispo de Cesaréia na orla mediterrânea da Palestina. De caráter contemporizador e diplomático, era simpatizante das idéias arianas. Suas duas obras principais eram a Crônica da História Universal e a História Eclesiástica. São também notáveis Os mártires da Palestina na perseguição de Diocleciano(303-310) e a Vida de Constantino.

S.ATANÁSIO (295-373): Manteve uma luta incessante para defender a fé de Nicéia, pelo que foi desterrado cinco vezes, tendo que sofrer inúmeras perseguições de toda classe. Inflexível contra os hereges, demonstrou compreensão para com os pecadores frente à intransigência de Lucifer bispo de Cagliari na Itália. Suas obras mais importantes são De Incarnatione et contra Arianos, como obra dogmática e apologética, e a Vida de S Antônio o abade da Tebaida, como história.

ÓSIO DE CÓRDOBA (257-358): Um dos mais veneráveis bispos da antiguidade, confessor, ou seja que havia sofrido tormentos pela fé; em 294 residia em Roma onde conheceu Constantino e foi presidente do Concílio de Niceia para mais tarde presidir o Sínodo ou concílio de Sárdica, cujos cânones ou sentenças ele escreveu. Morreu com 101 anos de idade, caso quase único para aqueles tempos.

ECUMÊNICO: O imperador, queria que o maior número possível de bispos assistisse ao concílio para o que pôs à disposição dos mesmos todo o aparato estatal. A Anatólia (hoje Turquia asiática) a Palestina e Cartago eram praticamente cristãs. A influência do cristianismo era grande em Alexandria, parte da península ibérica, sul francês e em grandes regiões da Itália atual, junto com o delta do Nilo. Podemos afirmar que do Oriente a participação foi majoritária. Do Ocidente é certa a participação de Ósio e dos dois delegados do papa de Roma, os presbíteros Vito e Vicente, sendo discutida a de dois bispos latinos. Tanto Eusébio como Atanásio consideraram o concílio, vistas as circunstâncias, em que o cristianismo se desenvolvia, como universal e como um novo Pentecostes. Foi sem dúvida de caráter ecumênico, ou mais propriamente irênico (de reconciliação e paz) pois foram convidados tanto grupos opostos como expoentes cismáticos. Como ecumênico o designaram Eusébio e Atanásio, máxime se o consideramos em oposição aos sínodos arianos celebrados em Oriente.

OS 318 PADRES: O número de bispos assistentes oscila entre os 250 de Eusébio e os 300 de Constantino e Atanásio. Posteriormente falou-se de 318 número que representava os servidores de Abraão de Gn 14,14. Por isso desde a segunda metade do século IV o Concílio de Niceia será denominado geralmente como o Concílio dos 318 padres. Dentre eles somente Ósio de Córdoba, Cecílio de Cartago, Marco de Calábria, Nicásio de Dijon, Dono de Estridão na Panônia e os dois presbíteros Victor e Vicente, representativos do Papa, eram ocidentais

HOMOOUSIOS: Este termo é sem dúvida o que melhor expressa a igualdade de natureza entre o Pai e o Filho. Era um vocábulo novo; tratava-se de um termo controvertido por não existir na literatura bíblica, ou escriturística como se dizia na época. Havia mais outras razões para não admiti-lo: Em primeiro lugar, o perigo de uma concepção materialista da divindade como se o Pai e o Filho fossem porções separáveis de uma mesma substância. Em segundo lugar, existia a suspeita de modalismo ou sabelianismo. O Modalismo, negando a distinção de pessoas, afirmava que o Filho e o Espírito santo eram unicamente modos ou atributos do Pai. Daí o nome de Modalismo. Sabelius, heresiarca originário da Líbia(norte da África), identifica o Pai e o Filho, sendo o Espírito Santo um modo(ou forma) da identidade entre Pai-Filho. Foi condenado em Roma pelo papa Calixto I no ano 275. Em terceiro e último lugar, existia o caso de ter sido condenada a palavra Homoousios no sínodo de Antioquia (268) contra Paulo de Samosata que negava a divindade de Cristo. A principal razão era sem dúvida que não era um termo escriturístico. Os ortodoxos(os não hereges) resolveram a questão dizendo que também a eles lhes teria gostado usar termos bíblicos; mas isto não era possível pela ambiguidade dos mesmos tal e como eram usados pelos arianos. Além disso, embora não apareça na Escritura, a palavra reflete claramente o sentido da mesma. Hoje diríamos que a Escritura usa uma linguagem popular e que homoousios traduz as idéias da Escritura em termos filosóficos, bem delimitados e concretos. Com respeito à condenação do homoousios no sínodo antioquino, foi devido a uma concepção materialista da divindade. Afastada esta ideia, a palavra mais apta para definir a unicidade de natureza em Deus não podia ser outra diferente. Foi precisamente o Imperador Constantino quem afirmou que o uso desta palavra não deveria ser entendido em sentido material, conforme sucede com os corpos, pois as realidades visadas pelo símbolo, não eram corporais, mas espirituais. Por isso a geração do Filho pelo Pai não produziu excisão ou divisão alguma na divindade. Assim, afirmava Eusébio, que consubstancial ( tradução do homoousios)ao Pai, indica que o Filho de Deus não tem nenhuma semelhança com as criaturas mas que é em tudo semelhante ao Pai que o gerou , sem que se derive de outra natureza, ou substância(hypóstase), além da do Pai. A palavra em termos filosóficos tinha sido usada pelos neoplatônicos, especialmente Plotino e Porfírio na metade do século III, .a propósito de seres que pertencem à mesma classe e compartem os mesmos conteúdos. No âmbito cristão o termo procedia da literatura gnóstica indicando semelhança no ser. Por outra parte ainda não existia uma clara distinção entre hypóstase e ousia, confusão que só seria aclarada no Concílio de Calcedônia(451).

O SÍMBOLO: No Palácio Imperial de Niceia, na sala régia, os Padres conciliares deram a máxima importância à tradição que também era invocada pelo heresiarca Ário. Daí que ao elaborar um símbolo, todos recorressem aos símbolos recitados e tidos como normas de fé nas respectivas igrejas locais. Esta fé foi exposta em três artigos principais: Pai, Filho e Espírito Santo. Estes três pólos tinham como base as instruções do Ressuscitado a seus discípulos em Mt 28,19: "Anunciai o evangelho a todas as gentes, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito santo". Este texto servia como base para a profissão de fé no batismo nas diversas igrejas locais. Parece que o símbolo, tomado como modelo, era o Jerosolimitano-antioquino pelas semelhanças e analogias com os apresentados por S. Epifânio de Chipre (315-403), que oferece em seu Anacoratus 2 símbolos de fé, e S. Cirilo de Jerusalém(313-385), que em suas 24 Catequeses explica o símbolo de fé do batismo. Geralmente se dá como fato admitido a formulação de um símbolo, o Niceno, que outros afirmam ser o Jerosolimitano-antioqueno. Segundo a Catholic Encyclopedia eis a fórmula do mesmo: "Cremos em um único Deus, o Pai todo-poderoso , criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis; e num único Senhor, Jesus Cristo, o único Filho gerado do Pai, isto é, da substância (ek tes ousias)do Pai, Deus de Deus, luz da luz, verdadeiro Deus do Deus verdadeiro, gerado não feito, da mesma substância com o Pai (homoousios to Patri), através do qual todas as coisas foram feitas tanto no céu como na terra; que por nós homens e por nossa salvação desceu, se encarnou e foi feito homem, sofreu e ressuscitou de novo ao terceiro dia, ascendeu ao céu e virá a julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo" E logo acrescenta o anátema: "Aqueles que dizem: Houve um tempo quando Ele não existia, e Ele não era antes de ser gerado; e que Ele foi feito da nada(ex ouk onton); ou que afirmam que Ele é de outra hypóstasis ou de outra substância(que o Pai),ou que o Filho de Deus é criado, ou mutável ou sujeito a mudanças, a eles a Igreja Católica anatematiza".

FORMULAS ESPECÍFICAS: As chamadas interpolações ou inserções anti arianas são estas: 1.a) "Isto é, da essência (ousias em grego) do Pai". Os arianos afirmavam que o Logos (a palavra, ou Filho) era criado do nada e não existia nenhuma comunhão ontológica (de ser) entre Pai e Filho 2.a) "Deus verdadeiro (alethinon) de Deus verdadeiro". Os arianos afirmavam que o Pai era verdadeiro Deus, enquanto o Filho era (simplesmente) deus 3a) "Gerado (gennetheta), não criado (poiethenta)". Com estas fórmulas desaparecia a duvidosa de "Filho de Deus".. Também os judeus se consideravam filhos de Deus (Jo 8,42).

A ADESÃO: Em geral foi geral e entusiasta. Todos os bispos, a exceção de cinco, se declararam dispostos a subscrever esta fórmula, convencidos de que ela continha a antiga fé dos apóstolos. Os oponentes reduziram pronto a dois: Theodas de Marmárica e Segundo de Ptolemais que foram exilados e anatematizados. Ário e seus escritos foram anatematizados e seus livros jogados ao fogo e ele exilado a Ilíria. A lista dos que firmaram tem chegado a nós mutilada e desfigurada pelas cópias imperfeitas dos copistas, porém não se pode negar de sua autenticidade. Em total são 232 ou 237 nomes.

CONCLUSÃO TEOLÓGICA: Temos visto como a ciência teológica se abriu passo a passo às apalpadelas sobre questões que hoje nos parecem tão simples e normais e das quais não existiam conceitos claros nos primeiros séculos. Por outra parte a tradição sempre teve um papel importante nas definições dogmáticas como nos cânones limitadores dos abusos disciplinares como veremos em novo informe. A tradição foi uma constante de todas as igrejas primitivas, já que a transmissão era da palavra muito mais do que da escrita, cujo cânon foi tardiamente elaborado. Duas idéias são importantes de toda esta disputa ariana: primeiro a unicidade do dogma ou de fé que quer ser mantida dentro duma Igreja que a si mesma se denomina CATÓLICA e que expulsa como anatematizados os que a esse dogma trinitário e cristológico não se aderem. Segundo: a constante recurso tanto dos católicos como dos arianos à tradição. Estamos no século IV e portanto 300 anos após a morte de Cristo. Existiam documentos escritos como os evangelhos, tantas vezes citados pelos escritores e bispos da Igreja e não obstante é a tradição a que leva a palma e dita a fé. Nihil innovetur nisi quod traditum est, dirá o papa a uma consulta sobre o batismo; e esta parece ser a atitude de uma Igreja que segue perfeitamente o proceder de Paulo: "Eu vos transmiti, em primeiro lugar, o que eu mesmo recebera" (I Co 15,3).  A morte de Cristo, o enterro, a ressurreição. Tudo foi conforme as escrituras, um testemunho profético em que a palavra divina precede a realidade histórica. Mas as aparições, o testemunho, são atos de tradição que todos proclamam e no que os de Corinto acreditam porque têm fé (idem 11).

II.ª PARTE: OS CÂNONES DO CONCÍLIO

OS CÂNONES: Como em todo concílio esta é a parte disciplinar. São 20 cânones ou normas. A palavra cânon significava cana ou regra de medir . São normas com respeito às ordenações presbiterais e eleições dos bispos, os lapsi (caídos) nas perseguições, e jurisdição de patriarcas. Deles ressaltamos o cânon 3: Proíbe estritamente todo bispo, presbítero, diácono, ou qualquer do clero a ter uma subintroducta (mulher alheia) morando com ele, exceto mãe, ou irmã, ou tia, ou uma pessoa que esteja fora de qualquer suspeita. Cânon 6: Sobre jurisdição dos patriarcas à semelhança do Bispo de Roma, o de Alexandria terá certa jurisdição sobre os sucedâneos de Egito, Líbia e Pentápolis, de modo que não poderá ser ordenado bispo dentro de seu território sem o consenso do Metropolitano. O que serve também para o Metropolitano de Antioquia. Cânon 9: Somente um homem sem culpa pode ser ordenado presbítero. Cânon 15: Bispos, presbíteros e diáconos não devem passar de uma igreja a outra. Nada existe sobre a separação entre evangelhos canônicos e apócrifos como relata Roberto C. P. Júnior que a si mesmo se intitula escritor. Mas disto falaremos em próximo artigo.

ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE O CÂNON IV:. Muitos comentaristas consideram este cânon como o mais importante dos vinte aprovados pelo Concílio. Ele diz: "Prevaleça o antigo costume no Egito, Líbia e Pentápolis de modo que o bispo de Alexandria tenha jurisdição em todos eles, posto que o mesmo é costumeiro para o Bispo de Roma também....E isto é entendido de modo geral de forma que, se qualquer um é feito bispo sem o consenso do Metropolitano, o grande Sínodo há declarado que tal pessoa não é bispo...".  A primeira tradução latina deste cânon, a chamada Prisca (antiga), modifica o texto grego e diz: "É de antigo costume que o bispo da cidade de Roma tenha um Primado de modo que governe, com seus cuidados, os lugares suburbicários e toda sua própria Província". Os comentaristas gregos do século XII disseram bastante explicitamente que este sexto cânon confirma os direitos do Bispo de Roma como Patriarca sobre todo o Ocidente. Em fins do século IV havia 120 metropolitas em 120 províncias. O Império Romano havia anteriormente instituído a diocese civil para agrupar as províncias. A diocese era dirigida por um vicarius; a Igreja adotou igual organização. No Oriente havia cinco dioceses. Teria portanto 5 dioceses religiosas. Em cada parte do Império Romano se reconhecia a autoridade superior de uma igreja- Antioquia para Síria e regiões vizinhas; Éfeso para a Ásia Menor; Alexandria para o Egito; Cesareia para a Pérsia.; Constantinopla para a Grécia; Esse sistema não foi adotado nem na Gália, nem na Espanha, nem na Itália onde o papel do Bispo de Roma era bem diferente. Daí as discussões geradas por este cânon. Posteriormente surgiram os Patriarcados e com eles certos antagonismos e certos particularismos foram introduzidos na Igreja. Segundo a versão árabe, ao parecer anterior ao Concílio de Constantinopla (381) nos tempos de Teodósio, "o Patriarca deve ter cuidado sobre os bispos e arcebispos de seu patriarcado. A primazia do Bispo de Roma cabe sobre todos....Embora o arcebispo seja entre os bispos o irmão mais velho, que cuida de seus irmãos e os mantenha em obediência porque tem autoridade sobre eles, o patriarca está acima de todos eles. Do mesmo modo o que ocupa a sede de Roma é a cabeça e o príncipe de todos os Patriarcas, pois que é o primeiro, como foi Pedro, a quem foi dado o poder sobre todos os príncipes cristãos, sobre todos os povos, sendo o Vigário de Cristo Nosso Senhor sobre todos os povos e sobre toda a Igreja Católica. Quem contradizer isto, seja excomungado pelo Sínodo". Seguindo esta mesma versão, teremos um cânon 35 que diz: "Deve haver somente quatro Patriarcas em todo o mundo, como há quatro evangelhos e quatro rios.. E deve haver um príncipe e chefe deles, o Senhor da sede do sublime Pedro de Roma, como ordenaram os apóstolos. Após ele, o Senhor da grande Alexandria, que foi a sede de Marcos. O terceiro, o Senhor de Éfeso, que foi a sede do sublime João que disse coisas divinas. E o quarto e último é o meu Senhor de Antioquia , que é a outra sede de Pedro. Os bispos sejam divididos pelas mãos destes quatro patriarcas. Os bispos das pequenas cidades que estão sob a autoridade de grandes cidades fiquem sob autoridade dos respectivos metropolitas. Cada metropolita das grandes cidades designe os bispos das províncias, mas nenhum bispo os designe, pois que o metropolita é maior do que os bispos". Vamos explicar alguns termos.

Metropolita: Significa cidade mãe em grego; é o bispo que na antiguidade tinha uma primazia (lugar preferente) e poder de jurisdição (mandato) sobre outras sedes episcopais em suas vizinhanças. A primazia tinha como símbolo o pálio, que era um dossel mantido como um pano sobre a cabeça do metropolita por 4 ou mais varas seguras por portadores. Hoje, no Ocidente a palavra metropolita designa o arcebispo de uma província eclesiástica que tem sobre os bispos das sedes sucedâneas unicamente uma preferência puramente honorífica. O pálio atual é uma faixa branca com cruzes pretas que o Papa e alguns metropolitas levam como estolas.

Patriarca: Titulo dos doze chefes das tribos de Israel. No NT título dado aos bispos que desciam diretamente de Pedro como Antioquia e Roma, sendo que Alexandria foi escolhida por ser fundada diretamente por Marcos, discípulo de Pedro. No Concílio de Niceia, Jerusalém teve também o título de Patriarca; e mais tarde Constantinopla porque era a nova Roma. Nos tempos modernos temos o patriarca de Veneza e o patriarca das índias ocidentais entre outros.

Província: Desde o século IV à semelhança da administração civil, a eclesiástica adotou o mesmo tipo de organização, tendo o bispo chamado metropolita, hoje arcebispo, um conjunto de dioceses sobre as quais presidia.

Primado: O bispo que pela antiguidade de sua igreja tem o lugar preferente numa determinada nação ou região, como é o arcebispo de Salvador no Brasil.

 III.ª PARTE - CONCÍLIO DE NICEIA

O CONCÍLIO VISTO PELOS DISSIDENTES NÃO CATÓLICOS. (APOLOGÉTICA) - "Em 313 D.C. com o grande avanço da Religião do Carpinteiro o imperador Constantino Magno enfrenta problemas com o povo romano e necessitava de uma nova religião para controlar as massas.(1). Aproveitando-se da grande difusão do Cristianismo, apoderou-se dessa Religião e modificou-a, conforme seus interesses.(2) Alguns anos depois, em 325 D.C., no Concílio de Niceia, é fundada, oficialmente, a Igreja Católica..(3) o Concílio de Niceia.., presidido por Constantino era composto pelos Bispos que eram nomeados pelo Imperador e por outros que eram nomeados por líderes Religiosos das diversas comunidades (4). Tal Concílio consagrou oficialmente a designação "Católica", aplicada à Igreja organizada por Constantino: "Creio na igreja una, santa, católica e apostólica".(5) Poderíamos dizer que Constantino foi seu primeiro Papa. Como se vê claramente, a Igreja católica não foi fundada por Pedro e está longe de ser a Igreja primitiva dos Apóstolos" (6)...
Esta citação é parte do artigo firmado por Roberto C.P. Junior em março de 1997, e que parece citado por Jefferson S.B., aparentemente um espírita. Que há de verdade em tudo isso?

Temos numerado os parágrafos para poder mais facilmente refutá-los sem necessidade de citá-los por extenso. Vejamos o 1.o ponto: (Constantino) apoderou-se dessa religião e modificou-a conforme seus interesses. A religião cristã em tempos de Constantino era majoritária unicamente no Oriente. No Ocidente era ainda minoritária, especialmente entre os pagos, vilas rústicas. Daí o nome de pagãos para os gentios. Uma exceção era a região de Cartago ou Túnez. Não era o povo romano, mas o Oriente que, com as idéias de Ário que negava a divindade de Jesus, estava dividido. Constantino viu nessa divisão um perigo para a sociedade majoritariamente cristã no Oriente onde ele morava. Pensava podia se repetir o caso dos donatistas como veremos mais adiante. De fato só 5 bispos ocidentais, e dois presbíteros, pertencentes ao Metropolita de Roma, o Papa, estiveram presentes entre os quase 300 bispos do Concílio. A heresia de Ário era praticamente desconhecida no Ocidente. Desde 313 até 324, doze anos, Constantino não influiu na religião cristã do Oriente. Mais: Licínio, que era o imperador do Oriente perseguiu os cristãos, apesar do decreto de Milano em 313 e que ele próprio promulgou pouco mais tarde em Nicomédia, a capital de seu império. Um decênio durou esta perseguição, de modo que no ano 321 todo o Oriente ardia em perseguição. Foi por isso que Constantino, de coração cristão, embora só se batizasse na hora da morte, querendo conservar a paz religiosa, lutou contra ele e o derrotou na batalha de Adrianópolis em 323. Em 324 decapitou Licínio, seu cunhado, como réu de alta traição e ficou dono de todo o império. Como fosse recebido em Roma após dez anos de ausência de modo hostil, e, visto o entusiasmo com que era aclamado no Oriente praticamente cristão, Constantino levantou uma nova Roma em Constantinopla que inaugurou em 330, dividindo o império em 4 prefeituras (Oriente, Ilírico, Itália, e Gália) com 14 dioceses e 116 províncias, base das divisões eclesiásticas. A experiência do donatismo no norte da África, cujo extremismo e violências chegaram a perturbar a província e até todo o norte do continente na época (313) sobre o domínio de Constantino, foi decisiva para posteriores atuações do imperador. Foi para aplacar os ânimos e a violência suscitada pelos donatistas, que pela primeira vez ele interveio em problemas eclesiásticos. Reuniu em Roma um sínodo, tendo como presidente o Papa Milciades, 15 bispos italianos, 3 galos, e 10 de cada facção (donatistas e contrários). O sínodo de Roma foi contrário aos donatistas que apelaram de novo; e em Arlés, um outro sínodo de caráter mais universal, de novo condenou as bases donatistas. Por fim Constantino decidiu-se a atuar com energia. Mas não deu certo. Os donatistas formaram seus exércitos de agonistici (lutadores) e que foram chamados vulgarmente de circumcelliones (merodeadores). Imperadores posteriores intentaram acalmar os ânimos e a luta chegou até os tempos de S. Agostinho que tentou solucionar a licitude da supressão violenta da heresia por parte da autoridade em seus escritos. As palavras de Agostinho serviram de base para a instituição da Inquisição contra os albigenses, que alteravam a ordem social do modo que o faziam os donatistas.. A entrada dos vândalos na África, oprimindo juntamente hereges e católicos, acabou com o donatismo.

O 2.o ponto que vamos estudar diz: "Alguns anos depois, em 325 D.C. no Concílio de Niceia, é fundada, oficialmente, a Igreja Católica ". Vamos estudar o que há de verdade nesta afirmação. Tomaremos como referência histórica a Britannica, a Catholic Encyclopedia, a História da Igreja, Volume I da BAC e a Patrística de Johannes Quasten. Katholikos, do grego, significa universal, palavra que, segundo os autores eclesiásticos da 2.a centúria, distinguia a Igreja cristã em geral, das comunidades locais; e também servia para distingui-la de seitas heréticas ou cismáticas. No primeiro sentido o adjetivo foi usado por Aristóteles e Políbio entre outros clássicos. Justino, mártir (+165) fala da católica ressurreição, Tertuliano (+220) escreve sobre a católica bondade divina e S. Ireneu (+202) sobre os quatro ventos católicos. São palavras que hoje traduziríamos por ressurreição universal, absoluta bondade divina e quatro ventos principais. Mas a combinação de Igreja Católica é encontrada pela primeira vez em S. Ignácio de Antioquia (+107) na sua carta aos de Esmirna (8): "Onde o bispo está, esteja também o povo, como onde está Jesus, aí esta a Igreja CATÓLICA". Segundo alguns autores a palavra deve interpretar-se como a única e só Igreja. A Britannica interpreta católica como universal, única e a mesma, onde quer que haja uma congregação cristã. O cânon de Muratori (c180) fala que certos escritos heréticos não podem ser recebidos na Igreja Católica. Clemente de Alexandria (+220) declara: "Nós dizemos que tanto em substância como em aparência, tanto em origem como em desenvolvimento, a primitiva e Igreja Católica é a única , em concordância, como ela faz, com a unidade da única fé" (Stromata 7,17).

Destes escritos se deduz logicamente que o termo católico era usado tecnicamente no início da terceira centúria (um século antes de Niceia) para designar uma doutrina sã como oposta à HERESIA, e uma unidade de organização como oposta ao ESQUISMA ou divisão das seitas. Terminamos com S. Cipriano (c252). Sua obra mais extensa é Sobre a unicidade da Igreja Católica e freqüentemente encontramos em suas obras frases como fé católica, unidade católica, regra católica, referidas a uma ortodoxia como oposta à heresia. Kattenbusch, professor evangélico de Giessen (Alemanha central), não duvida em admitir que, para Cipriano, Católico e Romano são termos intercambiáveis. Mais: a palavra católica algumas vezes foi usada como substantivo para substituir seu equivalente Igreja Católica, como no fragmento Muratoriano e em Tertuliano. Terminamos com palavras de S Cirilo de Jerusalém (c. 347): "Se por acaso tens que pernoitar numa cidade, pergunta não só onde está a casa do Senhor, - porque as seitas também chamam seus tugúrios casa do Senhor- não só onde está a igreja, mas onde está a Igreja Católica. Porque este é o nome peculiar do santo corpo, mãe de todos nós". Para terminar em suas catequeses: "A Igreja é chamada católica na base de sua extensão universal, sua completa doutrina, sua adaptação a todas as necessidades dos homens de toda classe, e de sua perfeição moral e espiritual".

Igreja Católica em Niceia: O Credo, atribuído ao Concílio, rejeita os erros arianos sobre a temporalidade do Filho e a diferença de essência do Pai, e termina com estas palavras: "a todos eles a Católica e Apostólica igreja anatematiza". Se estas palavras podem ser consideradas uma adição posterior, não podemos dizer o mesmo do cânon 8, em que referindo-se àqueles que a si mesmos se consideram Cátaros (limpos), quando retornarem à Católica e Apostólica Igreja... deverão professar por escrito que observarão e seguirão os dogmas da Católica e Apostólica Igreja. E fala não só dos dogmas da Igreja Católica, mas também dos bispos ou presbíteros da Igreja Católica. Com estes exemplos basta para que o leitor tenha uma ideia clara do assunto. Caso queira ver mais detalhes, pode consultar em advent/org e catholic encyclopedia o artigo Catholic.

3.º) PONTO: "O Concílio de Nicéia... presidido por Constantino era composto pelos bispos, que eram nomeados pelo Imperador e por outros que eram nomeados por líderes religiosos das diversas comunidades"Que existe de verdade nesta afirmação? Já temos visto como Constantino só foi dono do Oriente no ano 324, ano anterior ao Concílio. O Oriente, do qual procediam a maioria dos bispos, acabava de sofrer uma perseguição sob Licínio, originada em 320, sendo esta uma das causas da guerra entre os dois cunhados, que terminou com a batalha de Adrianópolis e no ano seguinte com a morte de Licínio e seu filho em Tessalônica. Do Ocidente, em que reinava Constantino na época, só 5 bispos estiveram presentes. Tudo isso é completamente contrário à afirmação que tentamos refutar.

Presidido por Constantino: É verdade que foi Constantino quem chamou os bispos para um concílio por medo que surgisse uma "contenda não nascida de algum mandato importante da lei". Por isso chamou em carta Ário e Alexandro (seu bispo em Alexandria) a ter o mesmo sentimento, e uma mesma comunhão, pois é indecoroso e contra lei que um povo tão numeroso, povo de Deus, seja governado por seu bel prazer, comportando-se ambos como êmulos que disputam por picuinhas e minúcias. Constantino tinha uma experiência desagradável com os donatistas do norte da África, e daí seu interesse em ter a paz e a concórdia. Também é verdade que esteve presente na aula inaugural; que ele dirigiu um apelo aos bispos para encontrar a unidade. Mas os debates e as conclusões do concílio foram feitos pelos bispos de maneira livre, pois Constantino não votou nem usou qualquer força para dirigir os votos dos padres consulares. Dos 300 bispos em números redondos reunidos, 17 não estavam conformes em aceitar o credo. Mas finalmente só três se negaram. A razão foi a palavra Homoousios, apresentada por Constantino, devido à sua novidade e à interpretação dada por Paulo de Samosata, tão materialista que tornava o Filho em essência igual ao Pai, com parte da natureza comum, como um filho se assemelha ao seu pai terreno. A natureza divina estaria dividida em duas: parte era do pai e parte era do Filho. Vencidas as duas dificuldades, a maioria aprovou o credo. É verdade que Constantino desterrou dois bispos à Ilíria (Iugoslávia) junto com Ário e que os livros deste último foram proibidos e mandados queimar por ordem do Imperador. Alguns anos após o Concílio, Ário descobriu uma nova forma de interpretar o Homoousios e apelou ao imperador. Pediu para ser readmitido na comunhão da Igreja, mas esta última recusou. Seu apelo chegou ao imperador a quem sua irmã Constância, moribunda no leito de morte, pediu por Ário e por isso Constantino quis impor à Igreja uma readmissão de Ário, marcando uma data. Enquanto esperava por essa reconciliação, forçada pelo imperador, Ário sofreu uma indisposição e no reservado morreu por uma ruptura dos intestinos. Grande parte desta História foi narrada por Eusébio, filo-ariano.

Mas vejamos o que diz Atanásio na História dos Monges em 358: "Quando uma decisão da Igreja recebeu sua autoridade do Imperador?" e "nunca os padres buscaram o consenso do Imperador, nem o Imperador esteve ocupado com a Igreja". Foram os heréticos os que se apoiaram no Imperador. Podemos dizer, como conclusão, que a igreja estava desejosa de aceitar a ajuda do Imperador, de ouvir o que ele tinha a dizer, porém não podia aceitar o rol do imperador em matéria de fé. Devemos lembrar que o critério sobre o credo que foi chamado de católico, não foi o pensamento do Imperador, mas o que a maioria pensava que era tradicional, a fé dos apóstolos transmitida e pela qual muitos deles tinham dado seu sangue (eram "confessores" das perseguições anteriores) e estavam dispostos a dar a sua vida pela sua fé.

Com os artigos anteriores temos visto que a Igreja não foi chamada pela primeira vez de católica, nem fundada por Constantino, nem seus bispos eram nomeados diretamente pelo imperador. Mas vejamos outras peregrinas afirmações para saber a verdade. Por internet em 
geocitie.yahoo.com.br/luizahpbr/frases-Nticer/nic.html encontramos nove páginas das quais pretendo refutar algumas afirmações. "O concílio reconhece a deidade (sic) do homem da Galiléia, embora essa conclusão não tenha sido unânime. Os bispos que discordaram, foram simplesmente perseguidos pelo Imperador Constantino". Como temos visto, dos 300 bispos(números redondos) só dois não concordaram. A afirmação "os bispos que discordaram, foram simplesmente perseguidos pelo imperador Constantino" é uma meia-verdade. Pela frase parece serem muitos os discordantes e que a perseguição foi uma constante. Na realidade só dois bispos foram punidos. A perseguição foi um exílio que na morte de Constança (irmã de Constantino), poucos anos após o Concílio e vista uma nova interpretação de Ário (Ário morre em 336), Constantino quer readmitir o heresiarca. Outra afirmação é: "... poderíamos dizer que Constantino foi seu primeiro Papa. Como se vê claramente a Igreja Católica não foi fundada por Pedro e está longe de ser a Igreja primitiva dos Apóstolos". Porém sabemos que os papas sempre foram bispos de Roma e Constantino era, na época de Niceia, o Imperador residente no Oriente e cuja capital foi transferida de Niceia para Constantinopla. no ano de 330..Por outra parte temos os nomes dos bispos de Roma desde Pedro até Milcíades, papa no tempo do Concílio de Nicéia. São no total 35 papas divididos por séculos em 4+ 9+ 15+4, dos quais dois mártires e um antipapa (Hipólito).

Eis uma outra afirmação que pretendemos rebater. Cito textualmente : "Os quatro evangelhos canônicos, que se acredita terem sido inspirados pelo espírito Santo, não eram aceitos como tais no início da igreja. O bispo de Lyon, Irineu, explica os pitorescos critérios utilizados na escolha dos quatro evangelhos" (reparem na fragilidade dos argumentos...): "O evangelho é a coluna da Igreja, a Igreja está espalhada por todo o mundo, o mundo tem quatro regiões, e convém, portanto, que haja também quatro evangelhos. O evangelho é o sopro do vento divino da vida para os homens, e pois, como há quatro ventos cardeais, daí a necessidade de quatro evangelhos. (...) O Verbo criador do Universo reina e brilha sobre os querubins, os querubins têm quatro formas, eis porque o Verbo nos obsequiou com quatro evangelhos". A cita é textual, com os erros de gramática correspondentes.

Ainda temos mais uma outra versão pitoresca, mas do lado espírita: "As versões sobre como se deu a separação entre os evangelhos canônicos e apócrifos, durante o Concílio de Nicéia no ano 325 D.C, são também singulares. Uma das versões diz que estando os bispos em oração, os evangelhos inspirados foram depositar-se no altar por si só!!!... Uma outra versão informa que todos os evangelhos foram colocados por sobre o altar, e os apócrifos caíram no chão...Uma terceira versão afirma que "o Espírito santo entrou no recinto do Concílio em forma de pomba, através de uma vidraça (sem quebrá-la), e foi pousando no ombro direito de cada bispo, cochichando nos ouvidos deles os evangelhos inspirados...". Vamos refutar estas afirmações estudando a formação do cânon tanto do AT como do NT.

LIVROS INSPIRADOS. O CANON

O CÂNON: Como se formou a lista dos livros sagrados? A palavra cânon significava em grego junco ou caniço. As varas desse material eram usadas como réguas para medir e portanto a palavra veio significar régua ou fixação de uma determinada matéria. Como se formou o cânon ou se fixou os números dos escritos do Velho e Novo Testamento?. Não entraremos com os livros do AT por eles não serem enumerados no artigo que estamos refutando. Quem quiser ver a matéria pode clicar em newadvent.org/ na enciclopédia católica no artigo cânon. Vamos intentar averiguar a fonte de semelhantes afirmações. Parece seja Voltaire no seu Dictionnaire Philosophique na seção Conciles. Era o mesmo homem que afirmou: mente que algo fica. Mas vejamos os fatos verdadeiros.

Tendo, pois, a palavra cânon o significado de lista dos livros sagrados, escritos sob a inspiração do Espírito Santo, vamos, através dos documentos históricos, ver quais e quantos são esses livros, especialmente os do NT.

LIVROS INSPIRADOSO primeiro a reconhecer a inspiração é o próprio Jesus segundo o que lemos em Mateus 4,4. Jesus usa o termo técnico judaico da época: Gegraptai(está escrito) Não só de pão vive o homem...de Dt 8,3. Na mesma passagem vemos outras citações: Salmos e de novo Deuteronômio. Seguindo esta tradição estudaremos os primeiros escritos dos padres apostólicos.

A DIDAQUÉ. (90-120) - Da crença nos livros que podemos chamar de Sagrados, está a frase da Didaque em XVI 7, (os errethe) como "foi dito": O Senhor virá e todos os santos com Ele de Zac 14,5 para imediatamente seguir com uma alusão a Mt 26, 64: Então o mundo virá o Senhor vindo sobre as nuvens do céu".

S. IGNÁCIO DE ANTIOQUIA(+ 107).- Fala de "Os gegraptai" como está escrito; e cita uma frase dos Pr 18,17: O justo é acusador de si mesmo. Tem também uma citação de Mt 10, 16 quando recomenda ser prudente como a serpente e sem falsidade(simples) como a pomba.

CLEMENTE. (+ 120) -Também Clemente Romano com Gregaptai(está escrito) ou Legei gar e grafé (diz pois a Escritura), afirma a crença na inspiração. Um exemplo: Miríades e miríades estão junto dele; milhares e milhares estão ao seu serviço. E eles gritam: Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos! Toda a criação está cheia de sua glória.( Is 6,3). Clemente fala de Escrituras Sagradas da verdade, as do Espírito Santo e de Ta lógia tou Theou (as palavras de Deus).

EPÍSTOLA DE BARNABÉ(100-130).- O Autor da mesma afirma que o Senhor em certa ocasião diz: Que me importa a multidão de vossos sacrifícios? Estou farto dos holocaustos de carneiros...(Is 1, 11). Falando do salmo 33,13 e do Êxodo 15,26 os cita dizendo: o Espírito do Senhor profetiza.

CONCLUSÃO: A crença em livros inspirados era comum entre os cristãos do primeiro século da Igreja; era uma verdade admitida como verdade de fé.

PEDRA DE JÂMNIA COM INSCRIÇÃO GREGA
QUAIS ERAM ESSES LIVROS? - Do AT se admitiram todos os 24 livros(tantos quantas as letras gregas do abecedário) que em Jamnia (100 dC), sob a direção de rabi Akiba eram só 22 tantos quantos os caracteres do alfabeto hebraico, porque dois dos livros foram divididos ou separados ( Rute dos Juizes e Lamentações de Jeremias), para completar as 24 letras do alfabeto grego. Segundo Flávio Josefo desses 22 cinco correspondem a Moisés(Torah), treze aos profetas(Nebuim) e quatro são livros de louvor(Meguiloth). Nos tempos de Jesus a Escritura era conhecida com o nome de Lei e Profetas.(nomos kai profetai).O Talmud(=doutrina) babilônico confirma a seleção feita em Jamnia. Este cânon de Jamnia refletia uma opinião muito anterior ao sínodo, como o confirma o fato dos setenta ser uma tradução grega dos livros sagrados terminada perto do ano 130 a C que continha os 24 livros aprovados por Jamnia e outros sete mais: Sabedoria, Eclesiástico, Judite, Tobias, no códice Vaticano; mais 1 e 2 Macabeus nos outros dois códices mais respeitados, como são o Sinaítico e Alexandrino. A estes últimos deu-se o nome de deuterocanônicos (os novos canônicos) para distingui-los dos protocanônicos.(os primeiros canônicos). Os livros deuterocanônicos estão misturados com os outros livros como se o cânon não fizesse distinção entre um e outros. Pois a Igreja apostólica recebeu esses livros com a mesma devoção que os protocanônicos, de modo que o cânon dos judeus alexandrinos formou parte do cânon da Igreja. Tenhamos em conta que a linguagem da Igreja era o grego. Portanto foi a sessenta e conseqüentemente o cânon alexandrino o que foi a setenta, a bíblia grega do cânon alexandrino, o texto usado pelos primitivos cristãos, pelos evangelistas e pelos padres apostólicos como conjunto de livros inspirados. Exemplo: das trezentas e cinqüenta citações do AT no NT trezentas são tomadas do texto grego dos setenta.. O texto hebraico só foi fixado definitivamente nos séculos VI a X dC pelos masoretas (a palavra masora significa tradição). Devido à falta de vogais e separação entre palavras o texto hebraico resultava difícil e até duvidoso; até tal ponto que o texto grego dos setenta aparece mais antigo e confiável do que o texto masorético. Por isso os livros dos setenta em seu texto grego são considerados como os verdadeiramente inspirados e sagrados pelos teólogos modernos.

A HEXAPLA: Como as divergências entre o texto hebraico e a tradução dos setenta, além das alterações de outras transmissões eram pretextos para os judeus não aceitarem os comentários das profecias do NT, Orígenes entre 240-245 dC dispôs em seis colunas os diversos textos, como eram o hebraico, o mesmo em letras gregas, e as versões gregas de Áquila(130-140), Simmaco(200), os setenta e Teodocião (180). Daí o nome de hexapla(seis colunas). Interessante nas Héxaplas é a quinta coluna que reflete o texto dos setenta muito semelhante ao códice Vaticano. Hoje só temos fragmentos dessa imensa obra de Orígenes que provavelmente tinha mais de 6 mil fólios(vide postera).

CÓDICES ATUAIS: A palavra códice significa um manuscrito escrito em forma de livro, no início composto por tabuinhas de madeira, cobertas de cera, sobre a qual se escrevia com punção; mais tarde substituídas por folhas de pergaminho, com o nome de fólios(= folha). O fólio tinha 33 cm de comprimento, por 25 cm de largura como uma página de um missal, ou uma folha de formato A4 com mais três centímetros de comprimento e largura. O material do pergaminho era a pele de vitela (vaca ou terneira, especialmente de fetos) ou ovelha, adobada(curtida), rasurada e esticada para poder escrever. As capas de certos livros antigos eram forradas de pergaminho, que pode hoje ser imitado com papel envolto numa capa de gordura. Para um códice de 300 páginas eram necessárias 70 ovelhas, a razão de 4 páginas por ovelha, o que resultava caríssimo. Por isso eram mais comuns os papiros em forma de rolos, cujo material, semelhante ao papel grosso, era feito de uma planta muito comum nas margens do Nilo. Os papiros, por sua fragilidade, não se conservam ou são extremamente fragmentários. Daí o valor dos códices como testemunhas dos textos mais antigos. Dentre estes últimos vamos falar dos códices unciais. Uncial é o tipo de letra maiúscula, imitadora das letras usadas nas lápides e inscrições de pedra e mármore, do tamanho de uma polegada(2,5 cm), usado na escrita até o século VII, em que se começou a usar a letra cursiva ou minúscula, imitando a escrita a mão. O mais antigo dos códices conservados é o Vaticano conhecido pela letra B.

CODEX VATICANUS
CÓDICE VATICANO: É do primeiro terço do século IV, contemporâneo, pois do concilio de Niceia, chamado assim porque hoje está guardado na Biblioteca Vaticana. É um códice uncial (escrito com letras maiúsculas) que contém o AT e o NT. (Os códices mais antigos dos autores clássicos, para se ter uma idéia clara, não são anteriores ao século IX). As palavras não estão separadas, nem existem sinais ortográficos, mas empregam os copistas a colometria e a esticometria. A colometria era o estilo chamado de comma et commata. Os termos colon e comma são quase idênticos e assim significava que se escrevia uma frase mais ou menos breve em cada linha que tivesse um sentido relativamente completo. A esticometria era o sistema de escrever por esticos de modo que cada linha devia ter tantas sílabas como um hexâmetro (estico) isto é de 15 a 16 sílabas com 36 letras por linha. Neste sistema não se tem em conta o sentido, mas o número de sílabas, com o fim de pagar os copistas ou calígrafos, Esta forma foi comum nos copista bíblicos desde o século VI. Nos códices antigos encontram-se muitas abreviaturas, especialmente nos nomes sagrados. Exemplo: IC por Jesus Cristo. A divisão atual por capítulos foi feita por Estevão Langton (+1228), arcebispo de Canterbury e os versículos por Santes Pagnino (+1541) no AT e Robero Stéfano para o NT(1551). Enquanto os papiros eram escritos com o talho da mesma planta(o papiro), cortado na ponta de modo a parecer um pincel. Os pergaminhos eram escritos com o cálamo(assim eram as chamadas, vulgarmente, penas), ou seja o talho de algumas gramíneas dividido em dois por um corte, como eram as antigas penas, quando se escrevia com tinta. Os talhos foram posteriormente substituídos por penas de ganso, daí o nome de pena de escrever.

RESUMO: Temos visto como se formou o cânon do AT. No tempo do Concílio de Nicéia (325) todo o Oriente era majoritariamente cristão. Somente Cartago e sua vizinhança podia dizer outro tanto. dentro da oikumene, ou terra do império conhecida. Roma estava isolada e a maior parte do Ocidente era ainda pagã, sendo que os cristãos ocupavam alguma seção das grandes cidades. Isso refletia na Liturgia e nas escolas teológicas. A linguagem da Igreja era o grego, que no tempo se denominava koiné, comum. Por isso temos unicamente até o século IV códices escritos nessa língua. Como exemplo deste predomínio do grego no império e em Roma em particular, podemos citar as duas cartas mais importantes dirigidas aos romanos: a de Paulo no ano 57, e a carta de Ignácio de Antioquia aos mesmos, pouco antes de sua morte como mártir em 107. De Roma também Clemente, Papa(+97), dirige uma carta aos de Corinto também em grego. Um último exemplo: o Pastor de Hermas (150) também está em grego e escrito na própria Roma. Até S Cipriano (+258) não temos uma literatura própria em latim, a língua do império ocidental. Será no tempo de Ambrósio(340-397) bispo de Milão que a língua latina substituirá o grego na liturgia. A bíblia em latim era a "vetus latina" (= antiga [versão] latina) da que pouco conhecemos a exceção do NT que não foi retocado por S. Jerônimo (342-420) na sua revisão dos quatro evangelhos e do saltério em 383 por ordem do Papa Dâmaso (366-384), de modo que os Atos e as epístolas pertencem a essa vetus latina. Jerônimo traduziu do hebraico o AT e retocando a vetus latina dos evangelhos do NT, formou e consolidou a Vulgata que será a Bíblia oficial do Ocidente durante cinco séculos e a declarada oficial na Igreja Romana. Até o final do século III os romanos cultos tinham predileção pelo grego, de modo que Juvenal (55-125) comenta ironicamente esse costume. O imperador Adriano, no comando de 117 até 138, provocado pela ironia do Senado que ridicularizava sua pronúncia provinciana de origem hispânica, do latim, após tentar corrigi-la, e após sua visita à Grécia em 135 não mais quis falar a língua do Lácio e preferiu a de Homero e Heródoto. No fim do século III temos duas versões latinas: a africana de Cartago usada por S. Cipriano e a chamada ítala, a que teve origem em Milão e foi usada por S. Ambrósio e S. Agostinho(354-430), que sendo professor de retórica não quis se aprimorar na língua grega. Porém parece que o texto original do qual as versões latinas são literalmente traduzidas, é o texto chamado neutro do Vaticano e do Sinaítico, os dois códices do século IV que hoje conservamos.

CONCLUSÃO: No que diz respeito ao AT vemos que os cristãos, pelas citações do NT, escolheram o texto grego e o cânon grego tal e como o conhecemos pelos textos dos setenta, nos códices escritos na comunidade judaica de Alexandria. Assim os livros deutero-canônicos entraram a formar parte do "está escrito" desde o tempo dos mesmos apóstolos. Nada existe de um cânon escolhido ao azar ou por meio de um fato extraordinário como quer provar o autor do artigo que estamos debatendo, Roberto C.P. Junior. Falta por estudar a seleção que a Igreja fez dos numerosos textos do NT e como foram rejeitados os livros heréticos e apócrifos(= oculto, secreto) com o significado de não autênticos ou fora do cânon da Igreja, dos quais hoje temos fragmentos em vinte evangelhos diferentes, dos quase cinqüenta títulos que tem chegado ao nosso conhecimento. (continua)

O CANON DO NOVO TESTAMENTO:

À parte as citações dos escritos patrísticos, temos alguns documentos escritos desde o século segundo como , os escritos de Papias, o cânon de Muratori e o Pastor de Hermas. Deles vamos falar.

PAPIAS: Foi bispo de Hierápolis na Ásia Menor e escreveu cinco livros sob o título de Explicação das sentenças do Senhor. Seu interesse era saber o que tinha dito o Senhor através de seus discípulos diretos como André, Pedro, Filipe, Tomás ou Tiago, João ou Mateus. A eles acrescenta Aristião e o ancião João, também discípulos do Senhor, pois pensava que os livros pudessem ser de tanto proveito como a palavra viva e permanente. Aqui temos o princípio básico da tradição. Ele fala de Marcos como intérprete de Pedro. Marcos escreveu nem sempre ordenadamente o que recordava (de Pedro) sem omitir nada, nem mentir absolutamente. Fala também sobre o evangelho de Mateus: Ordenou em língua hebraica as sentenças de Jesus; e cada um as interpretou (traduziu ao grego)segundo sua capacidade.

MURATORI: Luigi ou Ludovico (segundo a Britannica e outros autores) Antonio Muratori (1672-1750) era um dos grandes eruditos de seu tempo. Nascido de uma família pobre em Vignola no distrito de Módena(Itália), foi aluno dos jesuítas e estudou leis, Filosofia, e Teologia na Universidade de Módena, donde destacou-se especialmente em Literatura e História. Ordenado sacerdote foi chamado a Milão para a Biblioteca Ambrosiana onde imediatamente começou a recopilar antigos manuscritos ainda não publicados. Publicou diversos livros e foi nomeado arquivista e bibliotecário da biblioteca de Módena donde trabalhou até sua morte. Uma das obras históricas em 6 volumes é "Antiquitates italicae medii aevi". No terceiro volume aparece o cânon que foi chamado de Muratori. Como sacerdote foi exemplar, caridoso com os pobres, e diligente em visitar abandonados e presos.

O CÂNON: O Cânon de Muratori é o documento mais antigo que se tem a respeito do cânon bíblico do NT, por ter sido escrito por volta do ano 150, uma vez que cita o nome de Pio, bispo de Roma de 143 à 155, irmão do Hermas, autor de "O Pastor". Trata-se de um manuscrito do séc. VIII, cópia do original, descoberto pelo nosso Ludovico no seu trabalho como bibliotecário e arquivista. O manuscrito encontra-se mutilado no princípio e no fim, mas permite distinguir quatro espécie de livros: 1.-Os que são lidos publicamente na Igreja. 2.-Os que algumas pessoas querem que sejam lidos publicamente na Igreja.-3 Os que são lidos particularmente.4.-Os que devem ser desprezados. O testemunho inicia-se com o evangelho de Marcos ao qual se referem estas palavras: ..."aos quais esteve presente e assim o fez". pois sabemos por outros testemunhos que "esse aos quais esteve presente", eram os sermões de Pedro. Do evangelho de Lucas diz: "O terceiro evangelho é o de Lucas".... Do evangelho de João diz: "O quarto evangelho é de João, um dos discípulos".... Como comentário podemos ler: "Assim, ainda que pareça que ensinem coisas distintas nestes distintos evangelhos, a fé dos fiéis não difere, já que o mesmo Espírito inspira para que todos se contentem sobre o nascimento, paixão e ressurreição"[de Cristo]. Enumera como livros sagrados os Atos e as epístolas de Paulo, excetuando as dirigidas aos Laodicenses e aos Alexandrinos que favoreciam a heresia de Marcião. Dos dois Apocalipses João e Pedro, diz deste último: "alguns não querem seja lido na Igreja". O Pastor deve ser lido ainda que não seja publicamente. (*)

COMENTÁRIO: Vemos como a teoria de serem os livros sagrados escolhidos por um golpe de mágica ao caírem os falsos do altar, não tem cabimento nesta simples narração feita duzentos anos antes. Eram considerados sagrados porque eram lidos publicamente na Igreja, tal e como atualmente é feito na parte dedicada à Palavra. Vemos como eram quatro os evangelhos, dois dos quais recebem o nome de seus autores. Nisto o manuscrito segue a tradição de Papias .

FORMAÇÃO DO CÂNON DO NT

S JUSTINO, MÁRTIR: (100-165). É uma testemunha crucial da situação do corpo bíblico do NT no século II mencionando três dos evangelhos: Mateus, Marcos e Lucas, e citando e parafraseando as letras de S Paulo e a I de Pedro. É também o primeiro em citar os Atos.

DIATESSARON 
TACIANO (120-173): É o autor do DIATESSARON (=desde os quatro) uma versão dos quatro evangelistas numa única e contínua narrativa que em sua forma síria serviu como evangelho fundamental para a Igreja síria até ser substituído pelos quatro evangelhos no século V. Fundou a seita dos Encratitas, seita que integrava um severo ascetismo com elementos da filosofia estóica.

IRINEU (+ 155): Combatendo o herege Marcion que negava o antigo Testamento, ou a Bíblia Judaica, e ajudou a estabelecer o cânon das escrituras. Admite tanto o AT como o NT ambos provindo do mesmo Deus. No NT Irineu admite os quatro evangelhos, as epístolas de Paulo, os Atos dos apóstolos, as epístolas de S. João , o Apocalipse, a primeira carta de Pedro mas não a epístola aos Hebreus. E admite também como grafé(escrita) o Pastor de Hermas, livro de recente composição em Roma. Sobre os evangelhos diz: Entre os hebreus e em sua língua, Mateus publicou uma espécie de evangelho escrito, enquanto Pedro e Paulo predicavam em Roma e fundavam a Igreja. Depois de sua morte, Marcos, o discípulo e intérprete de Pedro, nos transmitiu também por escrito o que Pedro tinha pregado. Assim mesmo Lucas, o companheiro de Paulo, consignou num livro o evangelho pregado por este. Mais tarde João, o discípulo do Senhor, o mesmo que tinha se recostado sobre seu peito, também ele publicou o evangelho durante sua moradia em Éfeso. E explica que não é possível que existam mais de quatro evangelhos nem menos. São quatro as regiões do mundo em que vivemos, quatro os ventos e quatro os pontos cardinais. Porque por outra parte a Igreja está difundida por toda a terra e a coluna e o fundamento da Igreja é o evangelho e o Espírito(sopro) de vida. É pois, natural que tenha quatro colunas que de todos os ângulos soprem incorruptibilidade e reavivem nos homens o fogo da vida. Por tudo isso é evidente que o fazedor de todas as coisas, o Verbo, que está sentado sobre os querubins e sustém o Universo, quando se manifestou aos homens deu-nos seu evangelho sob quatro formas, mas sustentadas por um só Espírito.

Como vemos existe uma diferença entre o texto total e o parcial citado por nosso amigo, Roberto C. P. Junior, que afirma coisas que Irineu não escreveu como as quatro formas dos querubins. O argumento do nosso santo é simples: Deus construiu um mundo material sobre quatro fundamentos, tal e como se acreditava na antiguidade. Esse mundo era uma cópia do mundo espiritual (crença comum na época) que também encontra Ireneu construído sobre quatro pilares (os quatro evangelhos) tendo como vento ou espírito, Jesus. Esta é a comparação que Irineu encontra para dizer que os outros evangelhos novos, especialmente os que provinham dos gnósticos, cujo chefe era Marcião, não tinham cabida num mundo projetado pela sabedoria de Deus sobre quatro pilares básicos.

CRITÉRIOS DE CANONICIDADE: O cânon de Muratori, resposta provável ao cânon de Marcion restritivo e redutivo, já declarava o critério para aceitar um livro como sagrado: Distingue entre quatro espécies de livros: 

a) Os que são lidos publicamente na Igreja .

b) Os que algumas pessoas querem que sejam lidos publicamente na Igreja 

c) os que são lidos particularmente. 

d) Os que devem ser desprezados. 

Os primeiros (grupo a) são os livros que hoje chamamos de canônicos. À parte de Muratori , podemos afirmar com a Britânica que os critérios essenciais foram: 

1.o) a apostolicidade: se o livro em questão era dos tempos apostólicos.

2.o) a regula fidei ou seja se o livro não continha elementos heréticos ou erros de doutrina 

3.o) finalmente a sua catolicidade, ou seja se era lido em todas as igrejas e dirigido a todas as igrejas, como endereçado a todos os eleitos, especialmente falando das cartas chamadas apostólicas..

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