Estando um dia em oração achei-me de repente, sem saber como, e segundo me parece, toda metida no inferno. Entendi que o Senhor queria que visse o lugar que os demônios lá me tinham preparado, e eu merecido, por meus pecados.
Foi de brevíssima duração, mas embora eu vivesse muitos anos, parece-me impossível esquecê-lo. Parecia-me a entrada à maneira de um beco muito comprido e estreito, semelhante a um forno muito baixo e escuro e apertado. O chão pareceu-me duma água com lodo muito sujo e de cheiro pestilencial e cheio de muitas sevandijas peçonhentas. No fundo havia uma concavidade aberta numa parede a modo dum armário, aonde me vi meter em muita estreiteza.
Tudo isto era deleitoso à vista em comparação do que ali senti... Senti um grande fogo na alma que eu não chego a entender como poder dizer de que maneira é. As dores corporais são tão insuportáveis que, apesar de eu as ter passado nesta vida gravíssimas, tudo é nada em comparação do que ali senti. E, segundo dizem os médicos, tive as maiores que aqui se podem passar. Foi encolherem-se-me todos os nervos quando fiquei tolhida, além de outras muitas e de muitas maneiras, e até algumas, como tenho dito, causadas pelo demônio. Pois tudo isso é nada em comparação do que ali senti e ver que havia de ser sem fim e sem jamais cessar. E do agonizar da alma: um aperto, uma sufocação, uma aflição tão sensível e com um tão desesperado e aflitivo descontentamento, que eu não sei explicar. Porque dizer que é um estar sempre arrancando-se a alma, é pouco, pois que então ainda parece que outro vos acaba com a vida; mas aqui é a própria alma que se despedaça. O caso é que eu não sei como encarecer aquele fogo interior e aquela desesperação sobrepostos a tão gravíssimos tormentos e dores. Não via eu quem mos dava, mas sentia-me queimar e retalhar, ao que me parece; e digo que aquele fogo e desesperação interior é o pior.
Estando em tão pestilencial lugar, tão desesperada de toda a consolação, não há sentar-se, nem deitar-se, nem há lugar porquanto me puseram neste como que buraco feito na parede; porque estas paredes, que são espantosas à vista apertam por si mesmas e tudo sufoca. Não há luz, mas tudo trevas escuríssimas. Eu não entendo como pode ser isto, que, não havendo luz, se vê tudo o que à vista há de causar pena.
Não quis o Senhor que eu então visse mais nada de todo o inferno; depois, porém, tive outra visão de coisas espantosas: o castigo de alguns vícios. Quanto à vista, pareceram-me muito mais espantosos, mas como não sentia a pena, não me fizera tanto temor como na visão em que o Senhor quis que eu verdadeiramente sentisse aqueles tormentos e aflição no espírito, como se o corpo o estivesse padecendo. Eu não sei como isso foi, mas bem compreendi ser grande mercê e que o Senhor quis que eu visse - numa vista de olhos - donde me tinha livrado a Sua misericórdia. Porque não é nada o ouvi-lo dizer, nem eu ter meditado de outras vezes sobre diversos tormentos - embora poucas vezes o fizesse, pois que por caminho de temor, não ia bem a minha alma -, nem que os demônios atanazem, nem outros diferentes suplícios que tenho tido. Não, nada é como esta pena, porque é outra coisa. Enfim, é tão diferente como a pintura o é da realidade; e o queimar-se aqui na terra é muito pouco em comparação com este fogo de lá...
E assim não me recordo vez alguma em que tenha trabalhos ou dores que tudo quanto cá na terra se pode passar não me pareça ninharia e assim julgo que, em parte, nos queixamos sem razão. Torno pois, a dizer que foi uma das maiores mercês que o Senhor me tem feito, e me tem aproveitado muitíssimo, tanto para perder o medo às tribulações e contradições desta vida, como para esforçar-me a padecê-las e dar graças ao Senhor que me livrou, ao que agora me parece, de males tão perpétuos e terríveis.
De então para cá, como digo, tudo me parece fácil em comparação dum momento que se haja de sofrer o que eu ali padeci. Espanta-me como, tendo lido muitas vezes livros que dão alguma idéia das penas do inferno, como não as temia nem as tinha no que elas são... Daqui cobrei a grandíssima pena que me dão as almas que se condenam (destes luteranos em especial, porque já eram pelo batismo membros da Igreja) e os grandes ímpetos de salvar almas, que a mim me parece certo que, para livrar uma só de tão gravíssimos tormentos, padeceria eu muitas mortes de muito boa vontade.» Santa Teresa de Jesus, Livro da Vida, cap. XXXII.
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