HISTÓRIA DA IGREJA
Contra tudo e contra todos:
O triunfo da Igreja Católica no Japão
Os católicos japoneses realizaram uma das maiores façanhas da história da salvação: resistir por 250 anos a uma campanha de aniquilação, sem nenhum sacerdote, transmitindo fielmente a fé ao longo de uma dúzia de gerações e em isolamento total.
Uma das demonstrações mais extraordinárias de fidelidade de todos os tempos é também uma das mais desconhecidas. Isso é trágico não apenas porque a história da Igreja Católica no Japão é importante por direito próprio, mas pelo que ela tem a nos ensinar sobre esperança.
O cristianismo (que por séculos foi exclusivamente católico romano) foi levado ao litoral japonês por São Francisco Xavier por volta da metade do século XVI. Após algumas tentativas e erros, ao longo das cinco décadas seguintes centenas de milhares de japoneses se converteram à fé. O catolicismo no Japão começou a prosperar e florescer. A cidade portuária de Nagasaki tornou-se um próspero centro para católicos.
No entanto, essa era de ouro só foi possível porque o Japão passava por uma enorme guerra civil que já durava um século: o Período Sengoku. Senhores da guerra, chamados daimiôs, estavam muito ocupados em lutas intestinas para se preocuparem com ameaças externas. A chegada dos portugueses levou riqueza e armas de fogo a muitos deles. Os europeus foram tolerados por causa do afluxo de riquezas e dos armamentos de ponta que traziam consigo. E aonde quer que fossem, levavam também o catolicismo. Comunidades cristãs começaram a brotar em todas as partes das ilhas japonesas.
São Francisco Xavier, o primeiro a quem os católicos japoneses devem o dom da fé. Imagem de Maryland, EUA. |
Mas a oposição ao catolicismo já começava a se cristalizar. Na Batalha de Nagashino em 1575, mosquetes europeus foram decisivos para a derrota de Takeda Shingen e seu clã. A batalha facilitou o eventual surgimento do clã Tokugawa, que viria a ser catastrófico para os católicos.
Em 1600, o Período Sengoku estava se acalmando, e a violência esporádica contra cristãos já havia começado três anos antes. O clã Tokugawa finalmente obteve o controle de toda a nação e o seu líder foi transformado em xogum, comandante do exército.
Com um Japão unido, o xogunato Tokugawa começou a prestar atenção ao que ocorria no restante do Pacífico. Naquele momento, os poderes europeus apropriavam-se da riqueza material da Ásia e colonizavam a China e as Filipinas de forma agressiva. Temendo que o cristianismo fosse uma ferramenta das nações ocidentais e recordando o papel que os europeus tiveram no Período Sengoku, os japoneses começaram a reprimir os católicos.
O catolicismo também entrou em conflito com muitas sensibilidades japonesas. O conceito de inferno e a dura condenação da atividade homossexual (que naquela época era muito comum no Japão) eram ofensivos a muitos japoneses. Essas características fizeram do catolicismo um alvo fácil para autoridades que desejavam classificá-las como “não-japonesas”. Os católicos romanos no Japão seriam perseguidos, de forma muito concreta, em parte por causa de sua rejeição da homossexualidade. O catolicismo era visto como uma afronta às religiões tradicionais predominantes, um ataque aos valores japoneses e algo traiçoeiro.
Em 1614, a perseguição tornou-se política oficial. Todos os missionários e todo o clero foram expulsos, e todos os convertidos deveriam ser mortos. Qualquer membro do clero que ousasse permanecer era executado.
O xogunato teve êxito ao decapitar completamente a Igreja Católica no Japão. Em poucos anos, todos os sacerdotes foram assassinados ou banidos. Os cristãos remanescentes foram obrigados a viver na clandestinidade. Aqueles que eram identificados eram torturados e executados.
O catolicismo era visto como uma afronta às religiões tradicionais predominantes, um ataque aos valores japoneses.
Entretanto, durante a década de 1630, o Japão começou a fechar-se completamente para o mundo exterior, rompendo todo contato com nações estrangeiras. Qualquer estrangeiro que desembarcasse em solo japonês era condenado à morte. Todo japonês que deixava o país era proibido de retornar.
Em 1644, o último jesuíta remanescente foi arrancado de seu esconderijo e morto. A partir daquele momento, os leigos católicos no Japão ficaram completamente sozinhos, sem sacerdotes e sem qualquer possibilidade de comunicação com Roma. O Japão entrou num período de trevas.
Nem mesmo o império romano e o muçulmano, ou as polícias estatais da União Soviética e da Alemanha Oriental conseguiram suprimir o cristianismo de forma tão absoluta. Para os católicos japoneses sobreviventes, aqueles expurgos foram apenas o começo.
Todos os que se mantinham obstinadamente fiéis à fé eram condenados à morte, apenas descobertos. As execuções realizadas pelas autoridades japonesas eram brutais o suficiente para causar desconforto no mais cruel torturador romano. Muitos métodos são demasiado repulsivos para serem narrados aqui. Os afortunados eram crucificados, decapitados ou queimados vivos. Muitos outros tinham um fim terrível após dias de tortura.
Mas onde abundou o pecado, superabundou a graça. A hediondez da morte que os mártires sofreram só era igualada pela coragem que demonstravam quando chegava a sua hora. Durante o extermínio do clero, sacerdotes abençoavam as multidões à medida que caminhavam para a sua execução, prometendo que outros mestres viriam substituí-los (ao fim e ao cabo, a promessa deles se cumpriria). Os que eram queimados beijavam a estaca a que eram atados, agradecidos por serem considerados dignos de sofrer o martírio pela fé.
São Paulo Miki, uma das primeiras vítimas da violência anticristã, chegou a proferir um sermão da cruz, uma façanha física incrível se considerarmos os efeitos da crucifixão no sistema respiratório.
Com o passar do tempo, as imagens dos santos e da Virgem Maria foram transformados em imagens que lembravam mais as imagens tradicionais de Budas e dos bodhisattvas |
Até o culto litúrgico era camuflado. As celebrações litúrgicas (não havia sacerdotes para oferecer a Missa) assumiam várias superficialidades budistas enquanto conservavam sua essência católica.
A Bíblia, os ritos litúrgicos e a própria fé tiveram de ser memorizados e transmitidos oralmente.
Quando o rastro dos católicos esfriava, o governo japonês decidia expô-los. Exigia que os cidadãos recebessem um certificado da hierarquia budista, afirmando a sua conformidade religiosa.
Um homem aflito aguarda na fila para ser chamado. Quando ele escuta seu nome, começa a andar, observado por funcionários do governo enviados especialmente para a ocasião. Na frente do homem há uma imagem de Jesus Cristo na cruz. Ele é orientado a pisoteá-la. O FUMI-E. Se ele assim fizer, será uma declaração pública de que abriu mão de sua fé — e ele viverá. Caso contrário, ele pode ser executado, crucificado ou torturado, mergulhado em água fervente ou botado de ponta cabeça numa cova cheia de excrementos. Qualquer sinal de hesitação pode lhe custar a vida.
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A Igreja resistiu. Os que eram forçados a passar pelo Fumi-e “batizavam-no”, por assim dizer, considerando-o uma prática litúrgica que celebrava o perdão de Cristo.
Essa situação permaneceu inalterada por 250 anos. A Igreja no Japão só saiu das sombras quando o país voltou a abrir as portas para o mundo na metade do século XIX.
A Igreja no Japão só saiu das sombras quando o país voltou a abrir as portas para o mundo na metade do século XIX.
O Pe. Petitjean descobriu que os católicos ocultos do Japão realizaram uma das maiores façanhas da história da salvação. Resistindo por 250 anos a uma campanha de aniquilação, sem nenhum sacerdote, os japoneses conseguiram transmitir a fé ao longo de uma dúzia de gerações em total isolamento. O rito romano do batismo e o calendário litúrgico permaneceram intactos. Quando a interdição do catolicismo foi suspensa em 1867, mais de 30 mil católicos saíram do anonimato. Hoje o Japão tem 500 mil católicos.
Vivemos em tempos obscuros, e não vemos bons sinais quanto ao futuro. Mas os mártires e os católicos ocultos do Japão mostram-nos que a fé pode perdurar mesmo quando somos minoria e, despojados de nossos pais espirituais, somos cercados e caçados como animais.O Pe. Bernard-Thadée Petitjean foi um dos primeiros a pisar em solo japonês após a reabertura das fronteiras. Quando lá chegou, em 1865, foi abordado por uma mulher que lhe perguntou se era sacerdote do Papa em Roma. Surpreso por ela saber o que era um sacerdote, e mais ainda o Papa, ele avançou. Uma vez convencida da identidade dele, ela apresentou-o à igreja clandestina, uma comunidade semi-atrofiada espiritualmente, mas perseverante, que em dois séculos e meio jamais havia visto um sacerdote.
FONTE - PE. PAULO RICARDO
FONTE - PE. PAULO RICARDO
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