Fra Filippo Lippi, Coroação da Virgem (1469) |
Por Joe Heschmeyer
Uma das maiores dificuldades para muitos protestantes que consideram a conversão ao catolicismo é aceitar as doutrinas da Igreja sobre a Virgem Maria. Mesmo para aqueles que procuram se aproximar com o máximo de imparcialidade, os ensinamentos católicos sobre a Mãe de Jesus parecem exagerados. Afora os que possuem alguma boa vontade, existem inumeráveis protestantes que repudiam os elementos marianos da doutrina católica, acusando-os de antibíblicos, claramente falsos e (algumas vezes) até blasfemos.
Isso talvez seja mais verdadeiro no que concerne à realeza de Maria. Os católicos cremos que Maria é a Rainha do Céu e da Terra. Diante disto, podemos esperar seguramente uma acusação de prática pagã vinda do protestantismo mais periférico, menos tolerante. Afinal de contas, a "Rainha do Céu" é uma deusa mencionada no livro do profeta Jeremias (Jr 7,18; 44,17-19.25). Mas mesmo para os protestantes mais razoáveis, confessar que Maria é nossa Rainha celeste é provavelmente excessivo. Como isto não seria uma forma de idolatrar Maria? Como reconciliar esse título com a soberania de Jesus, "Rei dos Reis e Senhor dos Senhores" (Ap 19,16)?
Provar para um protestante que a Virgem é, de fato, a Rainha do Céu, exige uma abordagem diferente da que seria usada para um católico. Não creio que muitos irmãos separados serão convencidos, por exemplo, pelo fato de que o Papa Pio XII ensina a realeza de Maria na encíclica Ad Caeli Reginam (isto quase certamente deixaria os protestantes mais reticentes em relação ao Papa do que simpáticos ao título mariano). Faz sentido. Ao invés de citar documentos eclesiásticos, permitam-me então tentar algo parecido com uma "defesa protestante" da realeza de Maria, usando para tal intento apenas autoridades aceitas por ambos os lados, o católico e o protestante.
Três Argumentos bíblicos em defesa da realeza de Maria
Primeiro ponto: reinar com Cristo é algo bíblico.
Muitos cristãos se surpreendem ao descobrir que a Escritura repetidamente se refere ao reinado dos santos com o Senhor na glória. Contudo, a Bíblia o ensina reiteradas vezes. Por exemplo, no capítulo 3 do Apocalipse vemos Jesus dizer estas palavras à Igreja em Filadélfia:
"Conheço as tuas obras; eis que diante de ti pus uma porta aberta, e ninguém a pode fechar; tendo pouca força, guardaste a minha palavra, e não negaste o meu nome. Eis que eu farei aos da sinagoga de Satanás, aos que se dizem judeus, e não são, mas mentem: eis que eu farei que venham, e adorem prostrados a teus pés, e saibam que eu te amo. Como guardaste a palavra da minha paciência, também eu te guardarei da hora da tentação que há de vir sobre todo o mundo, para tentar os que habitam na terra. Eis que venho sem demora; guarda o que tens, para que ninguém tome A TUA COROA." (Ap 3,8-11)
Aí vemos Cristo afirmando que os fiéis serão exaltados E COROADOS, e os que os perseguem SE AJOELHARÃO AOS SEUS PÉS. Como São Paulo diz a Timóteo: "Palavra fiel é esta: que, se morrermos com ele, também com ele viveremos; se sofrermos, também com ele REINAREMOS..." (2Tm 2,11-12a). São Paulo não precisa ensinar a Timóteo que os santos reinarão com Cristo: esta já era uma crença da comunidade cristã cuja veracidade o Apóstolo apenas confirma.
O reinado junto com Cristo possui uma escala de graduação na medida de glória. Por exemplo, Apocalipse 20,4-6 fala que os mártires exercerão a função de juízes no Céu:
"E VI TRONOS; e assentaram-se sobre eles, e foi-lhes dado o poder de julgar; e vi as almas daqueles que foram degolados pelo testemunho de Jesus, e pela palavra de Deus, e que não adoraram a besta, nem a sua imagem, e não receberam o sinal em suas testas nem em suas mãos; e viveram, E REINARAM com Cristo durante mil anos. Mas os outros mortos não reviveram, até que os mil anos se acabaram. Esta é a primeira ressurreição. Bem-aventurado e santo aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre estes não tem poder a segunda morte; mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e REINARÃO com ele mil anos."
De modo semelhante, Jesus fala da exaltação dos Doze Apóstolos (Lc 22,28-30): "E vós sois os que tendes permanecido comigo nas minhas tentações. E eu vos destino o reino, como meu Pai mo destinou, Para que comais e bebais à minha mesa no meu reino, E VOS ASSENTEIS SOBRE TRONOS, JULGANDO as doze tribos de Israel". Logo, a descrição bíblica do Céu revela uma hierarquia de santos que reinam junto com Autor da Redenção.
Segundo ponto: Honrar a mãe do Rei como Rainha faz parte da Escritura.
O judaísmo veterotestamentário considerava as mães dos reis merecedoras de grande reverência. Isto não é de surpreender, já que um dos mandamentos do Decálogo é: "Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o SENHOR teu Deus te dá" (Ex 20,12), e os reis não estavam dispensados de cumpri-lo.
Um episódio que ilustra a reverência prestada à Rainha Mãe encontra-se em 1Rs 2,13-20, onde lemos que o meio-irmão do Rei Salomão, Adonias, usa a mãe do Rei, Bate-Seba, para promover-se politicamente:
"Então veio Adonias, filho de Hagite, a Bate-Seba, mãe de Salomão; e disse ela: De paz é a tua vinda? E ele disse: É de paz. Então disse ele: Uma palavra tenho que dizer-te. E ela disse: Fala. Disse, pois, ele: Bem sabes que o reino era meu, e todo o Israel tinha posto a vista em mim para que eu viesse a reinar, contudo o reino foi transferido e veio a ser de meu irmão, porque foi feito seu pelo SENHOR. Assim que agora uma só petição te faço; não ma rejeites. E ela lhe disse: Fala. E ele disse: Peço-te que fales ao rei Salomão (porque ele não te rejeitará) que me dê por mulher a Abisague, a sunamita. E disse Bate-Seba: Bem, eu falarei por ti ao rei.Assim foi Bate-Seba ao rei Salomão, a falar-lhe por Adonias; e o rei se levantou a encontrar-se com ela, e se inclinou diante dela; então se assentou no seu trono, e fez por uma cadeira para a sua mãe, e ela se assentou à sua direita. Então disse ela: Só uma pequena petição te faço; não ma rejeites. E o rei lhe disse: Pede, minha mãe, porque não ta negarei".
Ao final, Salomão de fato não atende o pedido materno: percebendo que Adonias está usando Bate-Seba para dar um golpe de Estado, o rei ordena que o matem (1Rs 2,23-25). Tal desfecho desagradável, no entanto, não deve nos fazer deixar de perceber a grande deferência que Salomão, o rei verdadeiro, mostra para com sua genitora, e isto suscita uma pergunta óbvia (ainda não respondida): Nosso Senhor Jesus Cristo demonstra ter menor respeito por Maria do que Salomão por Bate-Seba?
Terceiro ponto: Considerar Maria Rainha do Céu está na Bíblia.
A resposta para a pergunta anterior pode ser encontrada no livro do Apocalipse (12,1-6):
"E viu-se um grande sinal no céu: uma mulher vestida do sol, tendo a lua debaixo dos seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça. E estava grávida, e com dores de parto, e gritava com ânsias de dar à luz. E viu-se outro sinal no céu; e eis que era um grande dragão vermelho, que tinha sete cabeças e dez chifres, e sobre as suas cabeças sete diademas. E a sua cauda levou após si a terça parte das estrelas do céu, e lançou-as sobre a terra; e o dragão parou diante da mulher que havia de dar à luz, para que, dando ela à luz, lhe tragasse o filho. E deu à luz um filho homem que há de reger todas as nações com vara de ferro; e o seu filho foi arrebatado para Deus e para o seu trono. E a mulher fugiu para o deserto, onde já tinha lugar preparado por Deus, para que ali fosse alimentada durante mil duzentos e sessenta dias."
O filho, por certo, é Jesus Cristo (Ap 19,5-6 o explicita). Quanto à Mãe, que aparece entronizada no Céu, existem duas leituras possíveis desta passagem. Uma é que ela é Maria, como a aparência imediata sugere; a outra, que se trata de uma metáfora para a Igreja glorificada.
Honestamente, não existe nenhum motivo que nos obrigue a acreditar que apenas uma dessas identificações seja a correta, uma vez que estamos lidando com várias camadas de uma misteriosa simbologia. Veja-se este paralelo: embora Cristo seja aquele que governa com um cetro de ferro (Ap 19,5-6), a mesma imagem pode ser aplicada aos santos que reinam com ele (Ap 2,26-28).
Ainda assim, admitamos o cenário mais extremo: Apocalipse 12 se refere apenas à Igreja reinando na glória celeste. Ora, Maria é parte dessa Igreja: em um sentido muito real, ela é a primeira cristã. Segundo, a passagem mostra que Deus quer nos dar como imagem da Igreja gloriosa a própria Mãe de Jesus coroada com realeza. Não importa a interpretação, ela manifesta sempre a realeza de Maria. Se Maria não é Rainha, e se não fosse possível pensar nela desta maneira, por que o Senhor teria escolhido esta figura em particular a fim de ilustrar a Igreja triunfante?
Três respostas bíblicas a objeções protestantes comuns
Primeira objeção: A soberania e glória de Cristo não são diminuídas?
De jeito nenhum. Nosso Senhor nos chama a ser como Ele. Logo, quem é bem-sucedido em atender este chamado - mais exatamente, aquele que se conforma ao seu exemplo - não é uma ameaça... Não conheço nenhuma forma mais clara de estabelecer esta verdade do que citar Rm 8,15-17:
"Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes em temor, mas recebestes o Espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai. O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus. E, se nós somos filhos, somos logo herdeiros também, herdeiros de Deus, e co-herdeiros de Cristo: se é certo que com ele padecemos, para que também com ele sejamos glorificados."
Nosso Senhor muito se alegra ao compartilhar Sua glória e Sua realeza.
Segunda objeção: "Rainha do Céu" não é um título pagão?
Certamente é, assim como "Deus Pai". Este, de fato, era o nome do deus romano Júpiter (do grego Zeus + Pater = Deus + Pai). A linguagem é algo flexível: as mesmas palavras podem ser usadas para descrever mais de uma pessoa. Quando os cristãos oram a Deus Pai, eles não estão se dirigindo a Júpiter, embora este tenha sido invocado no passado com o mesmo título. E isto também vale quando nos referimos a Maria: ela (obviamente) não é a deusa pagã do livro do profeta Jeremias, porquanto Jesus não é Filho de uma deusa pagã.
Terceira objeção: Esse modo de falar de Maria não a exalta acima de Jesus?
Algumas vezes os protestantes hesitam em honrar Maria desta forma como uma compreensível reação a certa linguagem devocional açucarada que insinua um poder indevido de Maria sobre seu Filho divino, ou como se ela o ultrapassasse na disposição de perdoar. Pode ocorrer, aqui e ali, de católicos contrastarem exageradamente a justiça de Jesus como juiz em oposição à misericórdia ilimitada de Nossa Senhora para com os pecadores. Isto não é verdade: Jesus é Deus Onipotente, perfeita e infinitamente bom.
Mas mesmo essa imagem devocional limitada revela algo de verdadeiro sobre a dinâmica da prece, e não está tão absurdamente distante da maneira como a Escritura apresenta Abraão intercedendo por Sodoma (Gn 18) ou Jacó lutando com o anjo (Gn 32). Nesses (e em muitos outros) casos, o Texto Sagrado fala como se os seres criados fossem capazes de convencer o próprio Senhor a agir com misericórdia, embora saibamos que isto não seja literalmente verdadeiro. Quando por vezes dizemos que "lutamos com Deus em oração", ou apelamos para misericórdia divina, não queremos dizer com isso que nós (ou Maria, ou os santos) precisamos de algum modo fazer Deus agir com compaixão ou se dobrar à nossa vontade.
Portanto, podemos e devemos afirmar que Maria é a Rainha do Céu sem causar prejuízo à bondade, soberania e misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Traduzido e adaptado do inglês por Ewerton Wagner Santos Caetano
As citações bíblicas foram tiradas da Bíblia Almeida Corrigida e Revisada, Fiel ao Texto Original (protestante)
Fonte - TRADUTORES CRISTÃOS
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