O filme começa com a versão clássica da tempestade e do juramento desesperado de Lutero, pronunciado em meio ao terror de ser atingido por um raio.
Ora, muito já se falou sobre a invalidade de tais votos, pronunciados sob uma pressão desestabilizadora e, portanto que não podiam vincular quem os pronunciava. Se esse princípio tivesse sido seguido, o mundo teria se livrado do tão grande mal causado por Lutero.
Mas há uma hipótese muito mais interessante para a súbita entrada de Lutero no mosteiro: a de que o jovem reformador teria buscado refúgio entre os agostinianos de Erfurt após ter assassinado um colega em duelo.
E essa hipótese é muito mais coerente que a história do raio. Por meio dela conseguimos compreender – por exemplo – o incomum transtorno de consciência que acompanhou Lutero durante seus primeiros anos no mosteiro. Mais instigante ainda é que tal hipótese foi pesquisada por anos por um alemão de origem protestante, Dietrich Emme. (Emme: 62)
Dietrich mostra que os primeiros biógrafos relataram que Lutero teria ferido um colega em duelo, e que quase simultaneamente uma grande tempestade o teria traumatizado. Os biógrafos são ninguém menos que Mathesius, Melanchthon eSeinecker. Esconder esse fato é algo significante. Como dissemos, os luteranos irão mentir nesse filme muito mais pela omissão do que pela mentira clara
.
Os duelos eram proibidos pela Igreja, mas freqüentemente realizados pelos estudantes para resolver seus conflitos. Lutero carregava uma espada, graças a sua condição de mestre, e num episódio nebuloso em 1503 teria ferido a própria perna com sua espada. Tão grave foi o acidente, que Lutero temeu por sua vida, sendo socorrido por um médico.
Dietrich então sugere que esse fato foi resultado não de uma displicência do reformador, mas já de um primeiro duelo. Tanto mais que os registros da Universidade de Erfurt mostram que Lutero trocou nessa época a melhor associação estudantil (Collegium Ampionianum) por outra bem menos importante (Georgenburse), o que se explicaria como sendo um castigo pelo duelo (que as normas das associações proibiam).
Há também confissões interessantes de Lutero, como a que fez a seu secretárioVeit Dietrich:
“Por uma extraordinária disposição de Deus, entrei para o mosteiro para que não me capturassem. Senão, eu teria sido preso facilmente. Não puderam porque minha ordem me acolheu.” (Emme: 63)
Outros textos mostram que Lutero entrou no mosteiro contra sua vontade:
“Eu não me tornei monge de bom grado e por minha vontade, e ainda menos para comer, mas cheio de terror e medo diante de uma morte súbita, pronunciei um voto forçado e não livre. (coactum et non necessarium votum)” (Emme: 63) [Grisar registra confissão semelhante (Grisar: 38)]
Também, em 1521, Lutero escreveu a seu amigo Melanchthon dizendo temer ter pronunciado seu voto monástico “de maneira ímpia e sacrílega” e de ter “agido sob coação” (Emme: 63)
Outro autor protestante (Nikolaus Selmnecker) relata as condições estranhas em que Lutero entrou no mosteiro:
“secretamente e de noite (clam et noctu) (…) e durante dois dias companheiros de armas, amigos, estudantes e outras pessoas vigiaram atentamente o convento e o cercaram para tentar fazer com que Lutero saísse, mas a entrada do convento foi fechada tão rigidamente que durante um mês ninguém pode aproximar-se de Lutero.”(Emme: 64)
Há ainda o registro da morte de um estudante na época da entrada de Lutero no mosteiro (Hieronimus Buntz, em 1505), devido à pleurite, infecção pulmonar causada pelo corte recebido no peito, muito comumente em conseqüência de duelos.
Mas há mais: Lutero não entrou no convento nem como postulante nem como irmão leigo. Durante os seis primeiros meses de permanência lhe deram os trabalhos mais humildes, a ele, que era o novo mestre: ele deveria virar o leite para fazer o queijo, limpar as latrinas: foi tratado como um servo.
Outro apoio interessante a essa hipótese é um documento de Lutero que ninguém deu muita atenção e que consta da coletânea de obras completas de Weimar. Esse documento é uma apologia do direito de asilo na Igreja, e foi circulado anonimamente em 1517 (quando se inicia o conflito, com a fixação das 95 teses), e depois em 1520. Nele, Lutero lembra que segundo a lei mosaica aquele que mata alguém sem ter sido seu inimigo, inadvertidamente, sem premeditação, não é culpável de assassinato.
Pergunta então Dietrich: seria então um tipo de autojustificação preventiva, no momento que Lutero tornar-se-ia um personagem público? Ou mesmo uma justificação da ordem agostiniana, por ter recebido em asilo um criminoso? (Emme: 64).
Parece servir aos dois propósitos…
Tendo por base essa outra versão dos fatos, explicam-se os comportamentos doentios de Lutero, como a frase: “Gostaria que não houvesse Deus” (Grisar: 49) que o filme atribui falsamente à pregação da Igreja.
Essa é apenas uma hipótese, mas que agrega diversos elementos instigantes, propositadamente esquecidos pelos luteranos.
É uma hipótese, mas que faz um sentido enorme, ainda mais quando conectada aos eventos que se seguem: a juventude sem freios de Lutero, que não contradiz em nada a idéia de um Lutero fanfarrão e duelista; e as doutrinas antinomistas de Lutero, em resposta a seu terror pela justiça divina.
Índice do Filme Lutero
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